Gostos discutem-se. Mesmo que, por serem gostos, quase nunca e quase nada valha a pena discuti-los. Pode ganhar-se um debate, mas nunca se ganha a pessoa com quem se debateu. Imaginem Francisco Louçã, em plena Assembleia, virar-se para Passos Coelho e dizer-lhe: “Não tinha pensado nisso, tem toda razão, é que vamos já votar em bloco nessa sua medida.”
Mas pior do que trocarmos mimos com adversários é esbarrarmos contra o autor das obras ou das ideias que admiramos.
Dou um exemplo: Francis Coppola. Por mais que olhe para o princípio dos tempos, mesmo para o filme pré-histórico que se chama Dementia 13, por causa da genialidade do posterior The Godfather ou de Apocalypse Now, obrigo-me a gostar dele. A velha carreira desse italiano é admirável e os seus filmes são melhores do que os melhores e mais envelhecidos vinhos que ele com gosto bebe.
Ó meu rico Deus, o que eu gosto do One From the Heart quando no aeroporto de Las Vegas, para a amada que foge nos braços de um amante latino, o desembestado Forrest canta o “you’re my sunshine, my only sunhshine” miseravelmente apaixonado porque abandonado ou o contrário que é a mesma dolorosa coisa.
E que exaltação se solta dos medos, das tantas sombras, do sobressalto dessa voz que quase em surdina diz “I believe in America. America has made my fortune” na nostálgica, terna e terrivelmente familiar abertura do primeiro The Godfather. É a mais perfeita, escusa e pletórica curta-metragem da história do cinema, 30 perfeitíssimos e shakespearenos minutos de cinema.
Mas por amarmos incondicionalmente, apanha-se um grande susto se nos acontece chocarmos com o demiurgo da coisa amada. Obcecado com a ideia de um “cinema pessoal”, Coppola pretende fazer-nos crer, em algumas entrevistas, que é um inultrapassável valor artístico não ter de prestar contas a estúdio nenhum, como então teve de prestar.
Não acredito nesta forçada independência ou morte. É que o melhor — mas mesmo muito melhor — que Coppola criou, fê-lo prestando contas a estúdios. E nem me parece elegante que Coppola ande, em revisão histórica, a morder a mão que lhe deu de comer quando parece desvalorizar o que The Godfather foi e é na carreira que Nosso Senhor de Hollywood lhe deu.
Os filmes independentes, que antes (Rain People) ou agora (Youth Without Youth ou Tetro) tenha feito, são uma nota de rodapé que acarinhamos porque este nosso tão amado Francis foi, um dia, levado e elevado pela mão hollywoodiana da Paramount Pictures. A mesma Paramount que continua, na Melrose Avenue, com duas portas arcádicas a oferecerem-se como as planturosas tetas da loba de Roma, prontas a dar de mamar a talentos que lhe chegam anémicos e despardalados. Bem aventurados os anémicos e bem aventurados os que lhes dão de comer.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.