Muriqui

Clara está preocupada com o muriqui. Estudando, soube que ele está em vias de extinção. Aí eu me lembro de um texto que recebi, há algum tempo, do Luiz Márcio Pereira.

O avô corre às informações e fica sabendo dos outros nomes do bichinho: monocarvoeiro ou macaco aranha. Com 150 centímetros de altura e 20 quilos de peso, ele carrega os títulos de maior primata das Américas e o maior mamífero terrestre exclusivamente brasileiro.

Olha que maravilha de raça boa. Não competem por nada, em tudo colaboram e são anarquistas, pois não conhecem liderança nem hierarquia. Querem mais? Nem por fêmeas eles brigam, a escolha é sempre delas e os machos aceitam.

E em tupi o seu nome significa povo tranquilo.

Olhando pelo que passa ao nosso redor, pelos seres humanos com quem às vezes somos obrigados a conviver, fico pensando se são esses simpáticos puladores de galhos que deveriam estar passando pelo perigo de desaparecer.

O ser humano, é preciso reconhecer, desaprendeu as lições dos macacos dos quais descende. Culturas certamente consideradas superiores , como a grega e a romana, eram escravagistas e machistas, o que não me parece sinal de sabedoria.

É bom lembrar que a história da escravidão começou entre brancos, escravo em inglês é “slave”, eslavo, muito antes dos navios negreiros . E que na África, quem comerciava homens negros eram também negros de outras tribos.E que se o primeiro homem/mulher veio da África, os aspectos exteriores que a humanidade foi adquirindo através dos tempos advêm das condições naturais que foi encontrando em cada região em que resolveu se estabelecer. A pele, o nariz, as mãos e os pés, tudo passou pelo processo de adaptação. Por que será que as orelhas crescem nos idosos?

Desde que se difundiu a ideia de que a mulher veio da costela de Adão e que ela seria a culpada pelo tal de pecado original, ficou estabelecida a idéia da inferioridade das fêmeas. A Galiléia não era a Judéia discriminadora das mulheres. De lá saíram as seguidoras do Galileu, companheiras na distribuição do conhecimento, é o que alguns estudos bíblicos vêm esclarecendo.

O fato é que, em vez dos muriquis, o que deveria ser extinto são os preconceitos de toda espécie.

Vamos preservar o que resta da mata atlântica, para que o macaco aranha continue a nos ensinar a alegria de viver. Com respeito e sem hierarquia, com um feminismo não ideológico, com muita brincadeira e boa anarquia.

Para a Clara eu ainda não disse que, quando menino, eu passava horas trepado nas árvores da casa, comendo frutas, e da cidade: ágil, intrépido, moleque e feliz . Eu era um quase muriquizinho.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2012. 

Um comentário para “Muriqui”

  1. Fernando é sempre muito bom. Seus textos cheios de doçura e lirismo conseguem passar mensagens políticas de grande alcance. Devíamos criar uma lei de murici – “Não competem por nada, em tudo colaboram e são anarquistas, pois não conhecem liderança nem hierarquia. Querem mais? Nem por fêmeas eles brigam, a escolha é sempre delas e os machos aceitam”. contra a detestável lei de murici onde cada um trata de sí. O Brant tem razão o ser humano desaprendeu. É preciso repensar o tempo que vivemos. Eu também era quase um muriquisinho.

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