Meu Deus! (Ou: quanta inocência)

“Meu Deus”, murmurou num canto da sala o homem da capa preta. Algum microfone registrou a exclamação, que ficou para sempre pairando no ar.

O que quer dizer esse “Meu Deus”? Que espécie de autoridade tem essa pessoa para julgar os atos de outras pessoas?

Esse “Meu Deus” foi claramente uma exclamação de desaprovação. O homem da capa preta estava claramente desaprovando a atitude de outro homem que também usa capa preta.

Como se sabe, em Justiça ninguém está obrigado a condenar ou a absolver alguém a não ser em obediência aos ditames de sua própria consciência e de suas convicções jurídicas.

O homem da capa preta, que é o revisor e o relator oficial do caso que recebeu o nome de guerra de “mensalão”, deu à sua exclamação de “Meu Deus”, a conotação de sua inconformidade jurídica com o critério de dois pesos e duas medidas que o sub-relator usou para um caso que tinha as mesmas características e para o qual ele deu duas decisões conflitantes.

Na véspera, o sub-relator condenou o ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, por ter privilegiado a empresa de publicidade SMP&B, de Marcos Valério, na assinatura de contrato usando dinheiro público.

No dia seguinte, o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, condenado pelo relator pelo mesmo motivo – ter privilegiado a agência de Marcos Valério em contrato envolvendo dinheiro público- foi absolvido pelo sub-relator.

O homem da capa preta não gostou do uso de dois pesos e duas medidas para casos semelhantes, e promete sair numa réplica em defesa do critério que aplicou em sua decisão.

O sub-relator não gostou da intervenção do homem da capa preta e quis fazer a sua tréplica. Foi preciso que o presidente do Supremo Tribunal Federal impusesse a sua autoridade e afirmasse a prevalência, no caso específico, da autoridade funcional do relator sobre a do revisor.

O suspense ficou pairando no ar e segunda-feira deveremos ter novos capítulos da batalha de togas. O presidente Carlos Ayres Brito vai ter que desdobrar-se para evitar mais arranhões na compostura da Suprema Corte.

O rigor que o revisor Lewandovski exibiu na quarta-feira ao condenar Pizzolato, Marcos Valério e seus sócios não era propriamente uma demonstração de zelo incondicional pelo dinheiro público.

Era apenas o prenúncio da demonstração daquilo que todos esperavam e que na verdade se confirmaria no dia seguinte.

Nessa batalha, mais do que crimes diferentes, há acusados de hierarquias diferentes: aos soldados rasos, a lei. Aos oficiais graduados, o espanto do homem da capa preta: Meu Deus!

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/8/2012.

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