Lascas da mesa no uísque

O gostinho. Estilo de vida está no gostinho. Peguei o avião para a Suíça, essa banalidade. Hoje tem gente pegando avião só para comprar chocolate. Minha viagem tinha destino mais definido. Terminou num hotelzinho da Vila Jukkasjärvi, às margens de um belo rio, o Torne. Apenas duzentos quilômetros abaixo do círculo ártico. Não é todo mundo que se hospeda num bloco de gelo, como o Ice Hotel. Mas o fato, em si, é terrivelmente vulgar.

Os móveis, como sabem, são de gelo. O quarto é de gelo. O bar é de gelo, mas tem bar – e esse é o alvo. À hora do drink, pego o meu copo de uísque, o mesmo que uso em casa. E um acessório que trouxe junto. No bar, o funcionário me toma por um turista. Propõe, todo animado, que eu use um copo de gelo. Entenda-se, feito de gelo, como os móveis.

Apresento-lhe meu copo. Diante de tal visão, ele recua espantado. Como se nunca tivesse visto uma peça de cristal. Peço minha primeira dose, sem susto. Se a casa não tiver uma de minhas marcas prediletas, mando buscar a garrafa de emergência. Na minha mala.

Não foi preciso. Com a bebida no copo (um Macallan, vá lá) relaxei. Sentei-me no estranho banco de gelo à frente da curiosa mesa da mesma matéria. Então peguei o acessório. Uma pequena barra de aço com cabo de madrepérola, que uso para partir nozes. Esperava que fosse suficiente para o meu propósito, e foi. Dei três pancadas na beira da mesa. Três pequenos pedaços do móvel se desprenderam. Aparei-os, com o copo. Olhei para o barman. Estava lívido. Pode ter me tomado por um maníaco destruidor de construções de gelo (se fosse, usaria um maçarico).

Sorvi o primeiro gole. Prazer insuperável. Para isso eu pegara aquele avião. Meus amigos vão achar um absurdo. Muito dinheiro, para beber uísque on the rocks dentro de uma geleira. Nesse momento, virá minha consagração:

– Tive o gostinho.

Abril de 2012

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