“Eu, Polidoro.” Essas eram as primeiras palavras de um texto curto que eu teria de dizer. Depois eu morria. Acho que minha magreza naqueles tempos inspirou meus colegas a me indicarem para o papel na peça dirigida pelo professor Ítalo Mudado.
Afinal, depois de morto, eu era embrulhado em um lençol e atravessava a cena carregado pelas colegas. Meu pouco peso as ajudava.
Estávamos no Colégio Universitário, uma criação maravilhosa do reitor Aloysio Pimenta, destruída em poucos anos pelo autoritarismo implantado em 1964.Os ensaios aconteciam todos os sábados na então longínqua Pampulha. Essa minha primeira e única experiência teatral não acabou em desastre porque, não me lembro bem, a encenação não foi em frente ou eu é que me dispensei da tarefa.
O ano era o de 1965 e, ao contrário da ditadura que viria fechar os horizontes para a inteligência e a liberdade, eu vivia um momento de descobertas e alumbramentos. Desde os dois anos anteriores, em que estudei no Curso Clássico do Colégio Estadual, eu fora jogado no mundo fascinante da cultura e da arte.
Os poetas mais importantes para mim, até hoje, eu os conheci naquele período. E a melhor literatura que se fazia, aqui e no exterior, foi colocada diante do jovem sedento de conhecimento que eu era. E o cinema entrou no meu universo de uma maneira completamente diferente da minha visão anterior. Puseram-me em contato com Fellini, Antonioni, Visconti, Godard, Truffaut e o melhor do cinema americano. Virei cinéfilo e cineclubista de corpo inteiro. Assistia, praticamente, um filme por dia. Os bons e os ruins, sonhador e aprendiz na sala escura.
Sobre esse anos escrevi há tempos um relato, “1965”, em que relembro essas emoções de minha juventude e que explica em parte o que sou hoje:
“Quando eu pus o pé na estrada / não sabia de estrada nenhuma
nem via que caminhava / no tempo em que caminhando eu ia
muita coisa acontecendo /mil novecentos e sessenta e cinco
o mundo me invadia / a cabeça era um redemoinho
o rumo eu fui fazendo/ sem saber que o fazia
ouvindo meu Miles Davis / e vendo o meu Fellini
cada um dos meus sentidos / bebia daquela fartura
a vida era teatro / cinema e literatura
aí eu fui descobrindo / o que era meu destino
falar dos sonhos do homem / com coração de menino
fazer amigo e amiga /e levar por toda a vida
seguir apaixonado /fazer a coisa bonita
caí na vida e na música / que abriram meu horizonte:
atrás eu vejo estrada / caminho eu vejo à frente.”
Dois anos depois, amigo de um compositor, cantor e músico que eu senti que era gênio desde que o conheci, fui surpreendido com um pedido . Queria que eu fizesse a letra de uma música sua. Ainda tímido, como nos tempos de Polidoro, demorei a aceitar o convite. Escrevi as palavras para aquela canção, que mudaria a vida de nós dois. Foi há exatos 45 anos, em 1967, que nós parimos a nossa “Travessia.”
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em fevereiro de 2012.