Se você programar uma longa viagem pelo Brasil, poderá encontrar diversos problemas; um deles, porém, que costuma afligir turistas, não acontecerá nessa viagem: o da língua. Todo o imenso território brasileiro é dominado por um único idioma. A única pequena diversidade que se encontra é sotaque (além de algumas variações de significados), que acaba virando mais um tema de conversação entre visitantes e visitados.
Se você programar uma viagem fora do país, encontrará maneiras para contornar o problema. Se aderir a uma excursão, falará português durante todo o tempo. Perderá oportunidades de aventurar-se, perder-se, descobrir coisas, individualizar sua visita… mas a segurança da excursão é inquestionável. Se você tem o gosto pela aventura e quer dar uns passinhos por conta própria, poderá aprender inglês, se não sabe, e conseguirá hotéis, passagens, tíquetes para museus e teatros. Se desejar, porém, conversar com o passageiro ao lado ou pedir uma informação a um transeunte, começará a enfrentar problemas. Perder-se em Bruges, na Bélgica, significa precisar falar flamengo (muitos velhos e crianças não falam francês). Na Itália, já nas pequenas pensões não se fala inglês, a não ser os preços da pousada. Países como a Holanda e a Dinamarca facilitam por terem populações bilingues – o inglês é aprendido junto à língua pátria.
Se você viajar à Inglaterra ou Estados Unidos, ainda que falando inglês, verá como o inglês que falamos geralmente é insuficiente. Dominar uma língua não é tarefa simples. Eles poderão nos entender, se se dispuserem a ser gentis (o que nem sempre acontece) mas, para participar de um grupo de conversação, quantos brasileiros estarão aptos? Não é preciso ir tão longe. Visitando nossos vizinhos sul-americanos, falantes de um idioma tão primo do nosso, que é o espanhol, perceberemos que a grande facilidade com que lemos o espanhol não nos ajuda na língua falada. É difícil entender e muito mais difícil falar: a gagueira é inevitável. A diferença entre o inglês e o espanhol, para nós, é que o espanhol necessita de um menor aprendizado.
E se você quiser fazer um turismo menos convencional, para países africanos ou asiáticos? O inglês viajará de avião com você, certamente, como já viajou o francês e, noutras épocas (de carroça), o latim.
Mas você continuará sendo aquilo que é todo ser humano:
uma ilha falante cercada de estranhas línguas por todos os lados.
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O Esperanto já possui uma comunidade de falantes em todo o mundo. É difícil saber exatamente quantos.
Para possibilitar a prática da língua falada, os esperantistas criaram uma instituição chamada “Pasporta Servo” – Serviço de Passaporte.
Simplíssimo: uma brochura é editada anualmente com a lista de países e moradores que oferecem hospedagem gratuita, desde que o hóspede venha falando a língua. Cada ofertante indica o número de pessoas e o máximo de dias ofertados.
Manuseando rapidamente um anuário qualquer do Pasporta Servo, depara-se com curiosidades:
– nalguns países (isto era frequente no leste europeu, à ocasião do domínio do império soviético), os hospedeiros comunicam que não podem oferecer hospedagem inteiramente de graça, mas cobrarão uma taxa simbólica, bem menor do que as de hotéis e pensões; o mesmo com relação à alimentação;
– algumas pessoas fazem exigências: … menos durante o mês de agosto… …não aceito fumantes… …é preciso que traga um saco-de-dormir… …é preciso que goste de cães…
– outras são pródigas: …ofereço um passeio pelos pontos turísticos da cidade…
– algumas exigências podem ser extravagantes: … eu e minha mulher somos nudistas e queremos ser imitados…
– outras, personalíssimas: … sou iniciante na língua e dou preferência a bons falantes, para que eu pratique…: … não aceito visitantes que pretendam falar inglês…
e vai por aí afora.
Eu mesmo já hospedei por uma semana, em ocasiões diferentes, dois argentinos e um finlandês; confesso sem vergonha que estas foram as ocasiões em que eu realmente aperfeiçoei minha conversação e pratiquei o objetivo do Esperanto, que é a comunicação entre falantes de línguas diferentes.
Para estudantes e pessoas com disponibilidade de tempo, é uma oferta tentadora, extra-oficial, sem nenhuma burocracia. A própria comunidade se comunica a respeito de abusos, através de jornais e revistas internacionais. Geralmente a coisa flui tranquilamente, criando grandes focos e eterna amizade.
Nota: Esta pequena série de textos foi feita para um “folder” com o objetivo de informar sobre o Esperanto, na ocasião em que fui presidente da Associação Paranaense de Esperanto (1988-1989). Eu achava que os textos de então eram muito sucintos. Minha intenção era divulgá-los entre pessoas mais interessadas no assunto. Observo que a parte escrita a partir da linha de asteriscos está sendo acrescentada agora.