Coleguinhas ruins de serviço

Houve uma época, depois dos anos de ouro, em que estranhos fatos aconteciam na redação do Jornal da Tarde. Belo dia se materializa uma magrinha, jovem, vinda da Folha. A nova chefe de reportagem. Tinha um pé frio colossal. Foi chegar e começaram a acontecer grandes tragédias, como o incêndio na Favela de Heliópolis, com resgate de helicóptero e quatro mortos. Bem, pode ser implicância minha. Os fatos talvez tivessem acontecido sem ela.

Uma noite fiz um textinho leve, caprichado, sobre não me lembro o quê. A magra leu e, sem encontrar no que mexer (nem era sua atribuição), achou uma referência a um bairro super manjado da cidade. Tascou o carimbo Folha da época: “(Zona Oeste da Capital)”.

Sorte que ela não era copy de matérias de cultura. Imagine como ficaria esta frase de Oswald de Andrade (com quem, obviamente, não estou me comparando): “Nesse momento, rompia para os lados da Consolação (Zona Central da Capital) uma música de banda”.

Tivemos depois o editor foca. Em viagem ao Mato Grosso, este que vos escreve trouxe como contrapeso materinha sobre criação de jacarés. Redigido o texto, resolvi fazer um boxe, pensando em matar uma curiosidade: o que era feito da carne do bicho. O boxe ganhou bom destaque na página. O editor achou que os jacarés estavam sendo criados para vender a carne.

Depois, sob a mesma batuta, fiz matéria na nossa Câmara Municipal. Contei que a produção dos vereadores se concentrava na concessão de títulos de cidadão, e batismo de ruas. Tive, no entanto, um cuidado. Não parecer que o propósito da matéria fosse só malhar a instituição. Ressaltei que os edis estavam debatendo um projeto de lei importante (zoneamento, se não me engano), e havia outros à espera de votação. No dia seguinte, abro o jornal e dou com o manchetaço de página: Fábrica de nulidades.

Curiosa também foi a contratação de uma foquinha para copy da Geral. Era costume fazer matérias saborosas com o que diziam os mestres de cerimônia de inaugurações públicas, ou eventos que tais. Um microfone em mãos pressurosas ou amadoras sempre foi um risco para a integridade de nossos sentidos. Agora mesmo, em Guarulhos, o “animador” do carro de som de um candidato disse que tudo estava tão maravilhoso, na manhã quente, que naquele momento o sol tinha parado. “O sol parou! O sol parou!” Galileu Galilei quase se ferrou por uma coisa dessas, mas fazer o quê?

Voltando ao JT e à nova copy, cobri uma cerimônia, ou algo do tipo, em que o locutor se esbaldou. O texto ficou muito engraçado, com as barbaridades que ele disse. Só que a focopy, pressurosa, corrigiu tudo. Publicou-se um texto correto, que não tinha a menor razão de existir.

Em outra matéria, um experiente copy vindo da Variedades também colocou sua colher torta. Em certo trecho do texto me veio naturalmente à cabeça “o jeito é”. Parente do “é o jeito”, expressão que acho de uma vulgaridade atroz. Pois bem, ajustei aqui, ali, e consegui trocar o jeito por forma mais sóbria. No jornal saiu “o jeito é”. O coleguinha trocou o sóbrio pelo lugar comum.

Em tempos mais recentes, minha matéria era sobre o relógio do Mosteiro de São Bento. Às tantas falo sobre o interior da igreja, solene, na penumbra. E digo que poderiam ecoar ali as vozes do coro gregoriano (como sabem, famoso, entoado pelos monges do mosteiro). O copy mudou para “vozes de um coro gregoriano”. É, podia ser de um pessoal da Penha, que chegava numa Kombi.

Setembro de 2012

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