Sempre pensei que, a haver epitáfios imbatíveis, sairiam certamente da pena de grandes escritores. Mas andei a ver, ouvir e ler e, zás, lá se foram as minhas certezas. Os epitáfios que alguns actores escolheram para si mesmos são desarmantes e de uma (ai, como é que se diz?!) derisão que me fez rir, bater palmas.
Lembram-se de Hedy Lamarr, a linda e nuíssima actriz austríaca de Ecstasy que morreria americana, em Hollywood, linda e vestidíssima? Era uma mulher sofisticada e inteligente como se depreende do epitáfio que escolheu: “This is too deep for me.”
Constance, que pertencia ao que em Hollywood era a aristocrata família Bennett, mesmo no cemitério, vincou bem a sua privacidade classista: “Do not disturb.”
Cary Grant, esse desconhecido que me recuso a apresentar, foi igualmente económico e cheio de sorte na frase eleita: “He was lucky – and he knew it.” Já os olhos de Bette Davis viram as coisas de outra maneira: “She did it the hard way.”
No mudo ou sonoro, cómico sempre, W. C. Fields escreveu o seu próprio material, como o subtil epitáfio bem demonstra: “On the whole, I’d rather be in Philadelphia.”
Displicente foi Dean Martin que levou para o túmulo o que foi a sua filosofia de vida: “Everybody loves somebody sometime.”
William Haines, que à conta dos seus gostos sexuais teve carreira curta no mudo, levou a coisa mais a peito: “Here’s something I wanto to get off my chest.”
Não se pode deixar uma cambada de actores soltos sem um realizador por perto. Chamei, por isso, Preston Sturges, o realizador do extraordinário Sullivan’s Travels, para que desse um sentido moral a tudo isto. Foi mais leve e epicurista do que eu estava à espera:
“Now I’ve laid me down to die I pray my neighbours not to pry Too deeply into sins that I Not only cannot here deny But much enjoyed as time flew by…”
E se nós, os Tristes, sabendo-se até que alguns de nós já viveram em cemitérios, fossemos gratamente libertando terceiros da ingrata tarefa?
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia