Engana-se quem pensa que a juíza Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça, tenha recolhido as armas.
As evidências de irregularidades no Judiciário não param de aparecer. Além das movimentações “atípicas” detectadas pelo COAF em contas bancárias de milhares de juízes e funcionários do Judiciário, as evidências de corporativismo e favorecimento não param de aparecer.
Juizes recebem dinheiro para consertar coberturas inundadas, outros para pagar dividas pessoais, outros para pagar a moradia mesmo morando nas cidades onde trabalham.
Não há como negar: abriu-se um rombo no casco da credibilidade do Judiciário.
As escaramuças entre a juíza Eliana e o estamento corporativo dos magistrados estão em recesso como a Justiça, mas tudo indica que voltarão vigorosas quando o plenário do STF julgar o mérito das liminares concedidas por Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, que na prática sustaram as investigações conduzidas pelo CNJ sobre irregularidades no Judiciário.
Mas, afinal, trata-se da saga heróica de uma juíza destemida contra privilégios e desmandos de um poder, ou de um surto de abuso de autoridade exercido inconstitucionalmente por alguém que não tem poderes para isso?
Boa discussão.
Uma coisa é certa: a juíza Eliana incomoda. Num recente “Roda Viva”, o ministro Marco Aurélio Mello mal conseguiu disfarçar seu desconforto com o que ele chamou de “concentração ilimitada de poderes” que a corregedora estaria conferindo ao CNJ. Chegou a compará-la a um xerife.
Como acontece com quase todos os problemas político-institucionais do País, a origem de tudo parece estar na ambiguidade do texto da emenda constitucional que definiu as atribuições do CNJ. Num país onde quase todos os conflitos são resolvidos numa espécie de conciliação “por cima”, os legisladores formularam uma lei que não desagradasse nem gregos nem troianos.
Na época em que a emenda constitucional que criou o CNJ foi aprovada, falava-se na necessidade de um “controle externo do Judiciário”.
Mas a ouvidos mais sensíveis, isso soava como uma espécie de agressão ao Judiciário, e era importante que a lei, afinal, não o afrontasse nem ferisse suscetibilidades. O CNJ então é um órgão de controle externo mas não é. Tem autonomia mas não tem.
A investigação sobre irregularidades administrativas continuou sendo atribuição das corregedorias dos tribunais de Justiça mas o CNJ pode dar seu pitaco se desconfiar que as corregedorias, como diz Marco Aurélio Mello, estão “procrastinando”.
A dra. Eliana, ao contrário do estamento oficial da Magistratura, não acha que o CNJ esteja indo além de suas atribuições constitucionais e sustenta que a constatação de movimentações “atípicas” de dinheiro na conta bancária de juízes e funcionários do Judiciário pelo COAF não configura quebra de sigilo bancário, mesmo porque nenhum nome foi divulgado.
Ela diz, por exemplo, que as corregedorias não cumprem as suas funções e nem sequer investigam desembargadores. O CNJ faz, então, o que as corregedorias deveriam fazer mas não fazem.
O ministro Marco Aurélio disse na TV que se for para o CNJ fazer as vezes das 90 corregedorias, então seria melhor fechá-las.
Quando lhe perguntaram se ele achava que a dra. Eliana estava exorbitando de suas funções, o ministro usou de seu mais refinado espírito eufemístico: “Não acho que ela esteja exorbitando. Ela apenas potencializou o objetivo em detrimento do meio”.
No conflito da Justiça, há golpes de boxe de verdade, mas as luvas são de pelica. E na boca do ringue, a massa torce para que no fim da luta o árbitro levante o braço da dra. Eliana.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 20/1/2012.