A Transilvânia paulista

Há bom tempo, escrevi uma história sobre um repórter a quem o jornal destinara um foca. O profissional experiente deveria ensinar o principiante. O foca passou a ser sua sombra. Não gostei do resultado, e acabei me desfazendo do texto. Mantive as folhas onde estava escrito, porque o verso, em branco, poderia servir-me para rascunho. E fui usando as folhas, com esse propósito. Certo dia apanhei uma, e resolvi ler o que estava escrito.

Achei interessante, e a guardei. O repórter, seu foca (Catu) e um fotógrafo estavam em uma cidade do interior, onde os moradores diziam existir um vampiro, como se fosse o Chupa-Cabras. Esta semana, remexendo antigos escritos, dei com a folha. Reproduzo o que nela se lê.

***

“(Catu) Estava encantado com as tradições do interior. Tanto, que parecia esquecido de suas inquietações com o fato de estarmos num lugar frequentado por um vampiro.

Aos poucos o jogo acabou, a conversa foi morrendo, estiquei as pernas no velho sofá da sala e passei por alguns cochilos. Chico Zoom tentou ler um livro sobre safáris fotográficos na África, mas acabou dormindo debruçado sobre a mesa onde havíamos jogado. Por insistência nossa, Araújo havia se recolhido ao seu quarto. “Só um instantinho, já volto”, dissera.

Estava quente. Catu deitou-se em uma rede, na varanda. Tinha tanto sono, que não pareceu ter consciência de que fora acomodar-se fora da casa. A quietude do campo desarmava temores. Um silêncio repousante. Eu estava sonhando com algo muito agradável, não me lembro o que, quando ouvi uma barulheira, um alvoroço, os cães latindo.

Saltei do sofá e saí para a porta da saída – quase trombo com Catu, que vinha no sentido contrário. O garoto estava lívido.

– Veio para cima de mim, na rede.

– O quê? Quem…?

– Um vulto, uma coisona… o vampiro!

Araújo já estava atrás de mim:

– É ele, o desgramado.

Saímos para a varanda. Ao longe vimos um vulto, afastando-se com rapidez. Subitamente parou. Sumiu e em menos de um minuto ressurgiu. Agitava o que pareciam asas… ou uma grande capa. Os vira-latas de Araújo latiam para a aparição, mas não ousavam se aproximar. No cercado, a criação – uns cabritos e vinte ovelhas – baliam e se agitavam. Fosse o que fosse, o vulto ao longe parecia pairar um metro acima do solo. Araújo estava gelado de medo.

– Só pode estar flutuando… lá é mato batido, não tem toco de árvores, pedra, nada.

Chico Zoom espiava pela teleobjetiva.

– Muito escuro, não dá para ver.

Pulou para o terreiro, câmera e flash na mão, e ia começar a correr para o vampiro, quando a mulher do Araújo surgiu por um lado da casa, com uma espingarda, dizendo “cuidado, olha a frente”. Antes que pudéssemos respirar, abriu fogo.

Os dois tiros ecoaram atrás das montanhas. De onde estava o vampiro, veio uma voz:

– Valha-me Deus, dona Arminda. Assim a senhora acaba machucando alguém.

A mulher do sitiante indignou-se:

– Não é que o safado sabe até o nome da gente? – E fazendo mira: – Vai bala!

Araújo deu um grito.

– Pára com isso, mulher. Não está vendo que é a voz do seu Loureiro?

Chico Zoom começou a correr. Fomos atrás. Loureiro, o secretário de Turismo, o criador da Transilvânia Paulista! Ele mesmo. Estava encarapitado em uma caixa de madeira pintada de preto. Pálido, trêmulo, como se tivesse visto um vampiro. A sessão de flashes a que foi submetido deixou-o ainda mais lívido. Vestia uma impressionante capa preta e um ridículo boné com orelhas de cachorro empinadas.

– Já posso descer? – perguntou a Chico. E para dona Arminda: – A senhora deixa esse trabuco descansado, faz favor.”

História redescoberta em junho de 2012

Um comentário para “A Transilvânia paulista”

  1. Sei não, Sergio, mas o Mário Prata vai dizer que essa hsitória do Sandro é “passarinho”…

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