A tragédia nossa de cada ano

Entra ano, sai ano, janeiro é sempre igual: chuvas torrenciais desabrigam, soterram e matam gente. Não deveriam causar qualquer surpresa, muito menos pegar governos de calças curtas.

A cantilena dos políticos para minimizar o problema também se repete. Em sobrevôos e visitas aos locais afetados – quando dá, com uma ou outra pose para as câmeras – governantes, de todos os matizes partidários, prometem investimentos substanciais que nunca chegam. Unânimes ao falarem de ações preventivas, abandonam a maioria delas antes mesmo de as águas de março encerrarem o verão.

Um ano depois da maior tragédia “natural” do país, que resultou na morte de mais de 900 pessoas e outras quase 10 mil lançadas ao desabrigo na região serrana do Rio de Janeiro, pouco ou quase nada foi feito.

Mal e mal os recursos emergenciais para, literalmente, tirar pessoas da lama aportaram em seus destinos. A regra geral é macabra: dinheiro para socorro rápido atrasa e, quanto chega, não raro acaba desviado. Não se sabe, por exemplo, onde foram parar os R$ 2,9 milhões liberados para Nova Friburgo, registrados em uma falsa nota de compra de material hospitalar.

Prevenção, então, nem pensar. Algumas das áreas da serra fluminense atingidas no ano passado receberam sirenes. Elas soam alto para avisar pessoas que não têm para onde ir que têm de sair correndo sabe-se lá para onde. Nenhuma das cinco mil casas prometidas para quem teve tudo destruído ficou pronta. Sem saída, volta-se para a área de risco, reocupa-se a construção ameaçada e reza-se para que a sirene não toque.

Embora prevenir seja mais barato e eficaz – até porque poupa vidas – entra governo, sai governo, a escolha é sempre agir depois que a chuva despenca, e com ela, casas, estradas e pessoas. Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que, entre 2006 e 2011, o governo federal gastou R$ 6,3 bilhões para, na correria e a fundo perdido, socorrer regiões dizimadas. E apenas R$ 745 milhões em ações preventivas.

Ou seja, não se trata de ter ou não recursos, mas de competência. De querer ou não aplicá-los.

Obra de prevenção não é emergencial; exige licitação e controle. Prefere-se abrir os cofres só depois dos temporais, repetindo-se assim o descaminho dos recursos. Será diferente com os R$ 75 milhões liberados agora pela União para que se possa adquirir – em regime de urgência – o mínimo para sobreviver: comida, remédios, combustíveis?

Como se vê, ainda que beire o absurdo, governos insistem em remediar a prevenir. Raios que nos partam, passa da hora de o eleitor dar o troco.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/1/2012.

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