Uma cidadezinha do interior

Outro dia me senti vivendo numa pequena, minúscula cidade do interior.

Saí para levar para o bazar da igreja a trouxa de roupa que Mary botou fora. Andei as três quadras trocando a trouxa de mão para mão – danada de pesada, ela. Aí dei literalmente com o nariz na porta: o bazar da igreja, bem ao lado da igreja, uma porta como se fosse de uma garagem, estava fechado. Claro, pensei, me culpando: eram 13h40, e as senhoras do bazar da igreja abrem às 14h. São voluntárias, portanto almoçam em casa. O bazar da igreja não tem a obrigação de ficar aberto na hora do almoço.

Olhei pra direita, olhei pra esquerda. Pensei: uai, deixo a sacolona de roupa aqui. Se alguém roubar, é porque precisava, e a intenção era mesmo de a gente se livrar daquelas roupas.

Mas ainda fiquei uns três minutos ali ao lado, não querendo que fossem roubadas as roupas velhas de que queríamos nos livrar. Vinham vindo umas duas velhinhas. Quem sabe não seriam as senhorinhas que cuidam do bazar?

Não eram. Passaram por mim, pela porta fechada do bazar diante da qual jazia a sacolona de roupas, foram em frente.

Bem, então eu também vou em frente.

Do outro lado da rua, um dos motoristas do ponto de táxi que usei diariamente para ir para o trabalho, e que hoje uso de vez em quando, berra para mim:

– E aí? Tá a fim de trabalhar?

Todos os motoristas de táxi do bairro sabem que sou um aposentado.

Berro de volta:

– Quer saber? Tô não!

Nesse momento, senti uma alegria imensa, gigantesca, mamutiana.

Fui até o banco.

Só vai ao banco, hoje em dia, boy, funcionário de empresa, ou velhinho aposentado sem ter mais o que fazer na vida, porque qualquer outra transação bancária se faz pela internet. Mas eu tinha que ir ao banco, porque era o dia do vencimento do plano de saúde, e eu não podia pagar na internet, e porque eu tinha que tirar dinheiro pra pagar a empregada.

(Poderia ter tirado a grana pra pagar a empregada no caixa que há no supermercado, mais perto de casa. Mas não poderia fazer nada pela internet, porque a empregada, mais a irmã dela, estavam fazendo faxina no escritório – e a faxina na casa inteira, a primeira depois da reforma do banheiro que sujou a casa inteira, foi na verdade o que me expulsou de casa.)

Ninguém diante dos dois caixas do banco. Só vai ao banco, hoje em dia, boy ou velhinho aposentado.

A funcionária do caixa, que conheço de vista faz tempo, fala ao celular. Tento fazer pra ela um gesto de “não tem pressa alguma”, mas ela rapidamente termina o telefonema. Eu a conheço, ela sabe que já me viu outras vezes – cidade pequeníssima é assim mesmo. Só não sei o nome dela. Pago a conta que tinha que pagar, pego o dinheiro para pagar a Vanda, e aí digo pra caixa do banco:

– “Você estava falando com sua filha, né?”

E aí trocamos umas palavras sobre filhos. Digo que o Facebook é um bom jeito de saber o que os nossos filhos estão fazendo, e ela diz que a filha às vezes reclama dos comentários que ela, a mãe, faz no Facebook.

O caminho de volta para casa, depois do banco, inclui uma passada pela rua do ponto de táxi. Lá está o Tiba, velho conhecido, um amigo. Tiba trabalhou mais de uma década no Estadão, igualinho que nem eu. Me vem com um cartão de visitas: “Você se lembra desse cara?” O cartão era do César Camarinha, e eu digo que claro, foi meu colega anos no Jornal da Tarde. E aí conversamos um pouco, o grande Tiba e eu.

Sigo em frente e lá está o bazar da igreja. Pergunto para as senhoras: “Vocês viram aqui um saco de roupas?” E elas dizem que sim, estava lá, e agradecem. E acrescentam: da próxima vez, posso deixar ali do lado, no estacionamento, sem erro.

No final da quadra, tá lá: oficina, consertos de geladeira, etc. Entro lá

Ah, então está tudo certo, vocês vão ver minha geladeira amanhã.

Ando mais uma quadra e chego à padaria, onde todas as moças me conhecem, e me cumprimentam.

***

Boa parte da vida, fiz planos de a) me aposentar; b) quando me aposentasse, ir para uma cidadezinha pequena.

Me aposentei. E não precisei mudar para uma cidadezinha pequena. Perdizes, o bairro onde vivo há três décadas e meia, parece uma cidadezinha do interior.

E o que é melhor: Perdizes fica em São Paulo.

A rigor, eu não preciso sair de Perdizes, minha cidadezinha do interior.

Mas, sempre que sou obrigado a sair do meu bairro, estou numa cidade como não há, absolutamente, nenhuma outra.

Sorry, Praia do Forte, mas não me mudo praí.

Mudar de Perdizes, só pra Vila Alpina.

Dezembro de 2011

2 Comentários para “Uma cidadezinha do interior”

  1. Adorei. É a mais pura verdade. Seu bairro é uma cidadezinha interiorana. Pra que mudar daí? Até você ficar conhecido num outro lugar demora tempo. Por isso mesmo que eu quis ficar aqui próximo do meu Gutierrez.Meu banco, meu jornaleiro,lojas, padarias, gente. Tudo com mais de 40 anos.É uma beleza só. Além do mais, andando 4 quadras posso apreciar nossa casa querida!Que bom que vocês já limparam os armários. As bagunças chegaram ao fim, né?
    Ah! ontem passando pela av.Francisco Sá, Ademar, o taxista que levou muitas vezes Milcia à faculdade e Mary ao trabalho, me cumprimentou e perguntou-me por elas. Como vão a paulista e a sulina? E a netinha?Não é demais?
    Beijos na carequinha
    Sogrinha

  2. Sérgio,

    sinto a mesmíssima coisa aqui no Jardim Paulista, cidade tão pequena quanto Perdizes, pode acreditar.

    Beijo
    Vi.

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