Estava de bobeira na esquina de um shopping, depois de dar uma olhada nas prateleiras de uma livraria e não me interessar por nada, quando ouço meu nome. Volto e dou de cara com a simpatia absoluta, o jeito de sempre, do Paulinho, movendo-se com naturalidade a bordo de uma cadeira de rodas.
Ficamos às vezes um tempão sem nos encontrar com pessoas que valem a pena, que seguiram seu rumo mas vivem na mesma cidade. Se não me engano, a última vez que abracei essa querida pessoa, foi durante a campanha presidencial de 1989. Lula foi à minha casa para ter uma conversa com o mundo cultural de Belo Horizonte. Houve Lula e eclipse da lua naquela noite.
Paulinho estava em minha lista e apareceu. Havia um porteiro que não queria deixar que ele entrasse. Ele dizia seu nome, Paulo Roberto, e não havia nenhum Paulo Roberto na lista. É que eu colocara ali o carinhoso, e estranho para muitos, apelido que lhe déramos: “ Paulinho que acha ridículo andar de carro”.
Vou explicar a alcunha. Observador, ele via as pessoas passando por ele, dentro de automóveis, e abstraía a existência do veículo. Assim, era engraçado imaginar os homens e mulheres falando e andando sentadas, passando diante dos pedestres e seguindo viagem. Com os ônibus era mais chocante. Dezenas de passageiros conversando, olhando a rua, se espremendo no espaço exíguo. Sem a carcaça do veículo era um espetáculo risível.
O fato é que ficamos ali, ele e sua mulher, eu e alguns dos meus, rememorando pessoas e fatos passados há muitos anos. Ele conserva o mesmo bom humor que o aproximava de todos. As dificuldades de locomoção que tem, ele as superou sem nunca se lamentar. Ao contrário, sempre fez o que projetou para si. Estudos, universidade, mestre durante anos na UFMG. Dele foi o primeiro carro que conheci (logo ele que achava ridículo etc) adaptado para quem não tinha todos os movimentos.
Encontrá-lo e abraçá-lo neste começo de ano me deu força e alegria. Êta vida boa, meu Deus. Se o Paulinho existe, e se tantos amigos e amigas existem, se a cultura está aí para embelezar e pacificar a existência de todos, estamos salvos.
Confesso que guardo uma impressão de shoppings como lugar de encontro de outras gerações, não a minha. Tenho mania das esquinas ao ar livre, mas preciso admitir que isso foi caindo de moda, por causa da insegurança, poluição sonora e outros males das metrópoles. Para que tanto carro, tanta violência? Naquele começo de tarde, revendo e abraçando o amigo, eterno no sorriso e no bom caráter, vi que todo lugar é propício ao encontro. Necessário é que hajam pessoas que valham a pena encontrar. Nisso eu sou rico.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em janeiro de 2011.