Recadinho de nada

De vez em quando, acontece. O tempo passa, chega o aniversário de alguém que não quero esquecer. Nem o aniversário, nem o aniversariante.

Alguns dias antes, maior fidelidade. Café da manhã, almoço, jantar, estou sempre me lembrando. Sei lá por que, já que me sei distraída e desligada. Ou desconectada, palavra do momento.

No dia exato, cadê? O fato dispensa explicações, imagino.

Nos dias seguintes, fazer o quê? Escrever, telefonar, me desculpar?

Quieta, no meu canto, acabo não fazendo nada.

Nos dias de hoje, todo mundo usando a palavra do momento, minha culpa costuma aumentar.

Afinal, não há como não receber um avisozinho rápido de um ou outro espírito atento ou caridoso. Ou atento e caridoso.

Nascimentos, casamentos, falecimentos, missas, encontros, aniversários, nada mais chega sem aviso. Nem que seja um avisozinho de nada, curtinho, apressado. Uma linha. Duas, três palavras. Campainha que a gente quer e não quer tocar. Chamadinho de nada, sem incomodar. Só pra lembrar. 

Os chamadinhos, que sempre me comovem, não são tão simples. Aumentam minha culpa, quando me esqueço. E me tiram o mérito, quando me lembro.

Tocando e não tocando a campainha, um espírito atento e caridoso, que atende pelo nome de Valéria, me comoveu, essa semana.

O chamadinho conectado me lembrava o aniversário de alguém que, como nós, tenta conversar com o leitor, aqui, nesse espaço, domingo após domingo.

Agradecendo, quero garantir à Valéria que, seguindo meus jeitos, eu estava me lembrando. Há vários dias. Dessa vez – ao menos dessa vez – não me esqueceria.

Há vários dias, sabia que minha conversa desse domingo seria dedicada a alguém que nem sei se posso chamar de amigo.

Nunca conversamos, só nós dois, horas sem fim, como, às vezes, acontece com amigos.

Sei pouco sobre ele. Quase nada. Muito, muito menos do que normalmente se sabe dos amigos.

Músicas preferidas, livros, filmes? Cores, países, cidades, ruas, becos? Manias? 

Sei o time de seu coração, mas talvez não seja vantagem, quem não sabe das paixões?

Sei sobre o que ele gosta de escrever, um mundo fascinante de músicas, livros, filmes, cores, países, cidades, ruas e manias que levam o leitor a viagens conectadíssimas, tempo e espaço imprevisíveis e surpreendentes.

Sei que ele sabe que gosto de ler o que escreve. Que me espanto com o humor agudo, a citação, inesperada, a lembrança carinhosa.

Sei que o domingo, hoje, é mais que um dia de crônica nova. É um dia de parabéns pra você nesta data querida.

Dia de crônica nascendo com endereço certo. Endereço do amigo que nem sei se posso chamar de amigo.

Esta crônica foi originalmente publicada no primeiroprograma, em fevereiro de 2011.

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