Ontem, hoje, amanhã

Meu pai faria cem anos no próximo 16 de maio. Ele queria chegar lá, ao centenário, para comemorar com os seus. Amou a vida integralmente e dizia, Bebel é quem lembra, que a simples presença de uma garrafa de champagne, mesmo fechada, já era um convite para festa. Mário Lago também era de 1911, de novembro. Artista completo no rádio, música, cinema e televisão, deixou, quando se foi, a marca da inteligência, da invenção, da brasilidade e do destemor na luta pela liberdade. Os dois plantaram a Justiça e o afeto no chão em que pisaram.

Viajando esses dias por terras do Brasil, na espera em aeroportos, em vez de jornais ou revistas, comprei, para reler, textos de Platão sobre Sócrates: discursos sobre a piedade, o dever, e a apologia. Fascinante viagem, muito melhor do que a de avião, relembrar a defesa do Mestre diante das acusações dos invejosos e ignorantes. Discussão filosófica e também sobre religião, política e ética, num pequeno livro de bolso, que serve para abrir a cabeça de quem deseja conhecer o pensamento do fundador da filosofia ocidental.

No mesmo período, vejo, em artigo sobre economia, uma citação de Ruy Barbosa, em discurso no Senado há exatos cento e vinte anos: “ eu quisera, nos meus antagonistas, ao menos lógica na ligação entre suas premissas e as suas conclusões”. Certamente, o que Ruy não enxergava em 1891 nós também não vemos no nosso Congresso ou no tiroteio que assistimos, dia após dia, ou minuto após minuto (pois o pessoal, hoje, quanto menos pensa mais escreve suas besteiras nos novos meios e agride indiscriminadamente a quem não concorda com seus dogmas).

Parece ter ficado óbvia, mas cada vez mais pertinente, a conclusão poética de Carlos Drummond de Andrade: “ como ficou chato ser moderno, agora serei eterno”. E é abraçado ao meu poeta, que também sofreu em sua vida pessoal e literária, a incompreensão, o ódio e a ignorância de seus patrícios, que eu relembro aqui uma canção que escrevi, há uns quinze anos atrás, com meu amigo e sobrinho Robertinho Brant, “ Velha canção moderna”: “Velha, medieval, a cantiga de amigo gerou a canção, gerou a língua a palavra é vau que passa o sentido da vida atual e da antiga canção que é moderna aos seus ouvidos já foi canção eterna em outros idos o caminho do mar é sempre o mesmo rio, agora é calor e, depois, frio vejo na escuridão, cego na luz da rua, moderno é o sol se não há lua canção que já é velha em nosso tempo será canção moderna se muda o vento e a terra a girar em volta de si mesma quer nos revelar o segredo: vida é circular, circular é da vida: se já não há sol, moderno é lua canção não é moderna, nem é antiga, canção tem de ser bela pra ser amiga.”

Sou de hoje, fui de ontem e amanhã não sei o que será. Sou da paz, do amor e da festa. Viva Maria Betânia. Viva a vida.

Esta crônica foi originalmente publica no Estado de Minas, em 3/2011.

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