O paradoxo de Dilma

A ferocidade implacável com que a presidente da República Dilma Roussef se atirou à operação limpeza no Ministério dos Transportes, demitindo ou provocando a demissão de 16 pessoas em menos de duas semanas, provocou um frisson nos meios políticos, desacostumados à prática de ações tão enfáticas partindo do centro do Executivo contra parceiros no usufruto do poder.

As reações são as mais diversas. Os analistas políticos estão preocupados em tecer teorias explicando as diferenças de estilo entre Dilma e seu antecessor.

Lula, todos se lembram, se especializou em oferecer o aconchego do peito amigo aos transgressores apanhados em flagrante cometendo malfeitos durante o seu governo.

Os mensaleiros eram, primeiro, companheiros desavisados que faziam coisas erradas à sua revelia; depois foram transformados em vítimas de uma pérfida conspiração oposicionístico-midiático-policial-judiciária que ele se encarregaria de desmascarar quando deixasse o poder.

Os compradores de falsos dossiês para caluniar adversários numa campanha eleitoral foram tratados quase paternalmente como “aloprados”, meninos travessos que chutaram a bola da pelada na vidraça da janela da vizinha.

O que espanta mais é que o esquema encastelado no Ministério dos Transportes que a presidente parece empenhada em destruir foi montado durante os governos anteriores, com o aparente beneplácito de seu antecessor e inventor, criador, conselheiro e avalista político.

Impossivel acreditar que o esquema escapasse ao olhar atento e agudo da chefe da Casa Civil e à sua fama de implacável gerentona.

O que aconteceu, então? A velha história da revolta da criatura contra o criador?

Menos. Não há nenhum motivo para acreditar numa ruptura de idéias, princípios e afinidades entre criatura e criador. Sempre que pode, Dilma presta tributo à “herança bendita” que lhe deixou o antecessor, e este sempre retribui a gentileza com outros tantos elogios e até propondo a candidatura de sua discípula à reeleição.

Dizem os analistas políticos, os que ouvem nas entrelinhas e têm espiões nas ante-salas, que ele está apoiando as ações da sucessora, mas está preocupado com a “governabilidade”. Ele nunca foi tão ríspido com a base aliada, nunca sequer ameaçou tirar-lhes o pirulito da boca.

O que parece mais provável é que esteja ficando evidente a diferença de temperamento entre Dilma e Lula. O PR, que é o partido aliado mais diretamente atingido pela razzia nos Transportes, está recorrendo à chantagem direta como forma de ação política, ameaçando retirar-se da base do governo assim que terminar o recesso. E quanto mais o PR ameaça, mais a presidente parece irritar-se.

A impaciência, a irritação, o pavio curto e a falta de cintura podem não ser exatamente um modelo de estilo de atuação política, principalmente num país de achegos e conchavos.

E Dilma vai construindo seu paradoxo: quanto mais inábil politicamente for, mais apoio terá na sociedade e menos nos círculos onde se constrói a partilha do poder.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/7/2011.

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