O destino desfolhou

Na rua, relâmpagos e trovões. Dentro de casa, conversas e lembranças.

Entre uma e outra xícara de café, eu me perguntava, naquela noite escura e molhada, por que levara tanto tempo para conhecer os olhos miúdos e atentos, e o riso largo e ruidoso de minha tia Olinda.

Ela me olhava, olhava meus dois filhos, repetia seus nomes, eu lhe mostrava a foto de minha filha viajante, ela me olhava e dizia que havia vindo a São Paulo por três motivos: conhecer o primeiro bisneto, acabado de nascer, ver a casa que o filho, Maurício, estava construindo, e…

– Conheço suas irmãs há tanto tempo, faltava te conhecer.

E contava histórias de meu avô, que gostava de plantar, e que era seu irmão. De meu pai, que gostava de ler, e que era seu sobrinho. Dos dezesseis irmãos, cujos nomes – Leandro, Benvindo, Laudelino, Divino – evocados nessa noite de relâmpagos e trovões, me traziam de volta a voz de meu pai, que eu já não podia, mais, ouvir.

– Você sabia que foi seu pai quem escreveu a carta que me pediu em casamento?

Eu não sabia nem que minha tia Olinda lia minhas crônicas – Carmo da Mata, interior mineiro –, onde um professor das netas – gêmeas –, não acreditava que as alunas pudessem ser primas da cronista.

Perguntei à leitora que me visitava, se ela havia lido uma crônica recente, lembrando um tio seresteiro, irmão de minha mãe, que, sabe lá Deus quando, trocara as plantações de Minas pelas de Goiás.

Não tinha lido, mas jamais esquecera o seresteiro, que vivia cantando O destino desfolhou.

Cantarolando “cai a tarde, tristonha e serena”, minha tia Olinda se despediu.

Porta da sala ainda aberta, esperando o elevador, olhei-a pela última vez, e agradeci aos céus pelo nascimento do primeiro bisneto, que a trouxera até mim.

Visita abençoada. Povoada de conversas e lembranças, olhos atentos, riso largo, afastando relâmpagos e trovões.

Esta crônica foi originalmente publicada no primeiroprograma.

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