Jorge de Burgos, o velho monge franciscano do romance O Nome da Rosa, de Umberto Eco, guardião da biblioteca do convento medieval onde acontecem crimes misteriosos, investigados pelo frei Guilherme de Baskerville, pontificava:
“O ânimo é sereno somente quando contempla a verdade e se deleita com o bem realizado, e da verdade e do bem não se ri. Eis por que Cristo não ria. O riso é incentivo à dúvida.”
Para quem não se lembra do livro (ou do filme) , a trama toda gira em torno da procura de um livro perdido, continuação da Poética, que Aristóteles teria escrito sobre o riso e a comédia, e que o velho monge esconde na biblioteca empoeirada do monastério, porque ele ameaçaria a própria integridade da fé religiosa, que ele se empenhava em preservar.
Motivo: o riso mata o temor e é o temor que mantém a fé.
A figura sombria, sinistra e encurvada de Jorge de Burgos não pode deixar de ser lembrada nestes dias em que um surto de outro tipo de fé (mas não menos fé), a fundamentalista ideológica, está em plena cruzada contra formas politicamente incorretas de humor, manifestada em anúncios comerciais de lingerie ou programas popularescos de humor na televisão.
O riso pode ser sublime ou grotesco, dependendo de como é trabalhado. De comerciais de televisão ou programas de humor popularesco não se pode esperar sutileza ou arte.
As piadas de salão ou de botequim são construções baseadas na ampliação propositalmente forçada de estereótipos e preconceitos que habitam o imaginário popular desde sempre.
Assim é com as anedotas de judeu, português (ou de brasileiro em Portugal), homossexual, loira burra, ou seja o que for, ou até mesmo a suposta submissão da mulher ironizada pela lingerie de Gisele Bundchen.
Começar a aplicar conceitos subjetivos de bom ou mau gosto em cima deles e pedir a repressão dessas manifestações, por mais grosseiras que sejam, é um começo de mau caminho.
O que uma autoridade publica como a ministra Iriny começa a achar intolerável ou inadequado, que hoje é a lingerie de Gisele Bundchen ou o quadro machista de Zorra Total, pode ir parar, baseado nas mesmas justificativas, em Madame Bovary, ou Lolita, ou O Amante de Lady Chatterley, ou Anna Karenina.
Quando a ideologia se torna dogma, e depois o dogma se torna fé, faltarão poucos passos para que o medo de contrariar a fé vigente substitua a liberdade de pensar.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/10/2011.