Recebi do Bob Tostes, amigo que engrandece esta nossa cidade, um pedido e dois presentes. Os presentes são dois CDs que ele criou em parceria com Marcelo Gaz: Horizonte, que ele deve lançar brevemente, e Suspense (the short night). Esse ultimo é a escancarada declaração de amor de Bob pelo cinema, pela música de cinema e por Alfred Hitchcock. Dentro de uma lata, que lembra aquelas que guardavam as fitas que víamos nos cinemas anteriores à era digital, a imaginação dos dois autores viaja, poética e musicalmente, pelo ambiente dos filmes do mestre. Entramos no clima e dele só saímos, dez minutos mais tarde, embalados pela emoção.
E o que é que ele queria de mim? Uma tarefa muito difícil para quem acompanha cinema há tantos anos, desde os seriados e bangue-bangues da infância até o quase vício de assistir pelo menos a um filme a cada dia, na juventude. Como escolher, e é isso que ele quer, entre tantos, um único filme? Uma obra artística entra em nossa existência e nela se gruda por uma infinidade de razões. Nessa paixão, vale o que se ouve e vê e vale o que se sente; o que o autor realizou e o estado de espírito do espectador no momento em que se defronta com a obra-prima.
A primeira vez que vi Os Guarda-chuvas do Amor, de Jacques Demy e Michel Legrand. Foi numa manhã de domingo, no Cine Candelária, que já não há, e eu comemorei com muita cerveja com um amigo cinéfilo, o Dickens.
Certa vez, numa sala em São Paulo, eu, o Milton e turma, sozinhos na sessão, cantamos todas as canções, logo todo o filme, pois todos os diálogos são cantados; um coral inesquecível.
Quando fui assistir ao Oito e Meio de Fellini, filme que me abriu todos os horizontes possíveis de beleza e imaginação, eu não tinha ainda os 18 anos exigidos pela censura. Comprei uma inteira, fiz cara de velho ( eu acho que fiz, o porteiro deve ter morrido de rir ou, o mais provável, era liberal) e fui me esconder em uma poltrona afastada, torcendo para que as luzes se apagassem e o filme começasse. Depois do susto, iluminei-me.
Rastros de Ódio, de John Ford: a cena final, em que John Wayne agarra a sobrinha criada pelos índios e, diante do rosto assustado dela, derruba todo o seu preconceito racial e a leva nos seus braços para casa. E uma fileira de outras obras fordianas. E a Turba, de King Vidor, mudo e maravilhoso, que vi nos tempos de estudante. A quanta maravilha eu assisti.
Tenho que escolher um e escolherei: O Milagre de Anne Sullivan, de Arthur Penn. Humana e dura batalha de uma professora e sua aluna ( cega e surda) em busca do conhecimento. É embaraçoso e emocionante quando o final de um filme é uma explosão de sentimentos e, logo depois, acendem-se as luzes, e você fica ali embasbacado, com os olhos cheios de lágrimas, ainda no mundo do cinema mas acordado para a realidade do mundo daqui de fora. Mas é muito bom.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em fevereiro de 2011.
Fernando,
filmes maravilhosos, os citados.
É inevitável que seu texto, passeando pelo tempo, reconduaza o leitor às próprias – e antigas – escolhas e preferência.
Fiquei um tempo sem fim me lembrando de “Hiroshima, meu amor”, e de “Se meu apartamento falasse”.
Abraço da
Vivina