E o Oscar vai para a maturidade e a miscigenação

Duas coisas me emocionaram no Oscar deste ano. Uma foi uma prova da sabedoria de um velho. Outra foi o coralzinho desafinado de garotinhos que encerraram a longa cerimônia.

“Acho que sou a pessoa mais velha a receber este Oscar específico. Espero que esse recorde seja quebrado depressa, e muitas vezes.”

Que maravilha de discurso de quem ganha a vida juntando palavras fez esse senhor David Seidler, ao agradecer pelo Oscar de melhor roteiro original para seu trabalho em O Discurso do Rei. Tem mais de 70 anos, certamente, embora quantos anos a mais que 70 a gente não saiba: o IMDb, o site enciclopédico que informa tudo, não conta a idade de David Seidler, o velhinho inglês que deseja que pessoas mais velhas que ele escrevam roteiros premiados.

E ainda agradeceu à Rainha Elizabeth II por não tê-lo mandado para a Torre de Londres e mandado cortar fora sua cabeça por ter escrito sobre os pais dela – uma deliciosa piada inglesa.

Os garotinhos que encerraram a cerimônia, cantando “Over the Rainbow”, emocionam não pela beleza de suas vozinhas nada particularmente atraentes, perfeitas – mas pela quantidade de cores, pela grande variedade de tons da pele.

O Mágico de Oz, o filme de 1939 em que Judy Garland canta “Over the Rainbow”, mostra uma garotinha que sai de uma realidade preto-e-branca e entra num mundo colorido.

O coral de Staten Island que encerrou a 83ª. cerimônia do Oscar era mais colorido que os sonhos da garotinha Dorothy. Tinha brancos, negros, amarelos, mas, sobretudo, tinha misturas, filhos da miscigenação, meio asiáticos, meio negros, ou “Africans”, meio “brancos”, ou meio “caucasian”, ou meio “anglo-saxon” – meio tudo. O abençoado resultado do cruzamento de uma cor de pele com outra cor de pele, que antigamente pessoas mal informadas chamavam de raças, quando todos sabemos que só existe uma única raça, a humana, apenas com cores de pele diferentes.

Um velhinho que deseja que mais velhinhos ganhem prêmios por texto original. Um bando imenso de crianças de raças misturadas, miscigenadas, no país que até meio século atrás tinha leis garantindo a segregação racial, punindo as uniões inter-raciais.

Os racialistas que tiverem eventualmente visto a cerimônia devem ter detestado. Maravilha. 

Quando uma sociedade que passou mais de três séculos segregada, com a segregação apoiada por lei, começa a se miscigenar, é um perigo atroz para os racialistas. É exatamente o que se dá quando um regime como o egípcio se abre à possibilidade, ainda que tênue, da democracia. É um perigo atroz para os fanáticos, as al-Qaedas.

Já vi cerimônias do Oscar mais atraentes, mais divertidas, mais, talvez, artísticas.

Mas a 83ª. cerimônia lavou a alma.

28/2/2011

2 Comentários para “E o Oscar vai para a maturidade e a miscigenação”

  1. Havia mais de trinta anos, vinha travando uma luta para que isso se tornasse realidade. Mas não em Hollywood, num Brasil muito mais promíscuo em segregação racial do que os mais de três séculos da lei norte-americana. Parece que estamos vencendo. Pelo menos em Hollywood. Vamos ver se, aqui no Brasil, a gente consegue fazer a realidade imitar a ficção. Eu já fiz a minha parte, na minha casa, na família miscigenada que constituí a duras penas, para que meus frutos não fossem atingidos pela praga desse racismo descomedido o qual fingimos não ver. Grande texto… Parabéns pra quem o lê !!! …

  2. Sérgio,

    Vi o “Oscar” e pensei tudo isso, mas não sabia -ainda – que havia pensado.
    Suas palavras me fizeram me desoobrir um pouco, e sabe que gostei do resultado?

    Merci, menino.
    Beijo
    Vivina

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