Ao contrário do que se tentou fazer parecer, a votação do Código Florestal que dominou os debates nas últimas semanas está e sempre esteve longe de esquentar a cabeça da presidente Dilma Rousseff.
Os olhos do Planalto estão fixos em três letrinhas – RDC -, o tal Regime Diferenciado de Contratações que permite fazer tudo e muito mais em nome da Copa das Confederações, em 2013, da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.
O RDC, embutido na Medida Provisória 521 – um engana-trouxa de 53 artigos, dois sobre atividades de médicos residentes e outro sobre gratificações temporárias, apelidada, com precisão, de barriga de aluguel pela jornalista Dora Kramer – é uma autorização expressa para burlar a lei. Confere poderes que seriam públicos às empreiteiras vencedoras de licitações feitas a toque de caixa, que dispensam até mesmo projeto básico. Inventa facilidades para aditar contratos e regalias para atender às necessidades da Fifa.
É um caso raro em que se cria uma lei para infringir a lei.
Como não especifica quais são as obras, o vale tudo não é figura de linguagem. Do treinamento de pessoal ao trem-bala, da reforma ou construção de um novo estádio à compra de computadores para equipar futuras salas de imprensa, e o que mais se quiser. Um saco sem fundo, sem controle. Tudo com licitação frouxa.
O Ministério Público Federal foi taxativo: a RDC é inconstitucional. Emitiu seu parecer em nota técnica distribuída aos deputados na quarta-feira, dia em que o Congresso fervia com a votação do Código Florestal, abortada pelo governo na última batida do gongo. Estrategicamente adiada sine die, agora é a vez de a MP 521 voltar às luzes, mesmo com tudo que traz de obscuro.
O governo Dilma, por meio do líder Cândido Vaccarezza (PT-SP), deu de ombros. Nada respeitoso com os procuradores, ele chamou a nota técnica de “panfleto”, uma “manifestação filosófica”.
A defesa do advogado-geral da União Luis Inácio Adams foi ainda mais chula. “Nosso problema é timing, não podemos adiar a Copa.” Rasgou seu diploma, mandando às favas a Constituição, simplesmente porque o tempo urge.
Mais do que isso, deixou claro qual é e sempre foi a intenção do governo: alterar a lei 8.666, reduzir o poder de fiscalização do Tribunal de Contas e do próprio Ministério Público, criar canais para escolher quem vai tocar a obra A ou B. Isso em anos pré-eleitoral e eleitoral.
Na verdade, o ex-presidente Lula nunca escondeu esse intuito. E, pelo jeito, ele fará esse gol. A seu favor e contra o país.
O Brasil pentacampeão do mundo não merecia dribles e firulas desse tipo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 15/5/2011.