Eu não inventei o amor, nem o Caymmi. Mas eu fico aqui pensando se seria possível viver sem esse sentimento que faz com que tudo seja bonito, que a vida seja essa aventura maravilhosa. Conheço idéias e pessoas que não concordam com o que falo. Estão aí, através dos tempos, os suicidas, os amargurados, os genocidas, os assassinos e os fabricantes de guerras. E os mal humorados, os pessimistas.
Arde em meu peito uma chama que me faz tremer ao abraçar e beijar os que amo. Desejaria ser uma fonte inesgotável de amor para distribuir um pouco do que recebo. Como aquele longo enlaçar que recebi, comovido e feliz, da menina de cinco anos no dia de meu aniversário. Enquanto nossos corações batiam em harmonia, tudo e todos ao redor sumiram de meu pensamento. O instante mágico durou o tempo do abraço apertado e se prolongou pelo dia adentro, pela vida afora. Sempre me lembrarei desse momento.
Os poetas celebram o coração por mais cerebrais que sejam. Há exceções, mas mesmo a racionalidade perseguida por muitos, quando alcançada, toca a sensibilidade mais quente dos leitores. Então, eu não me envergonho de pronunciar e repetir essa palavra tão poética e musical. Coração, coração, coração.
Não inventei o amor nem o fax. Mas esse foi um invento que usei muito, e ainda uso quando necessário, que nunca compreendi direito. Internet, e-mails, toda essas façanhas colocadas à nossa disposição eu aceito muito bem. Apenas as uso e não me deixo ser usado por elas. Tenho a pretensão de controlar a minha vida, de não ser comandado por nenhuma máquina.
O desenvolvimento tecnológico é tão rápido que não nos deixa tempo de refletir sobre o que está acontecendo. O velho temor de George Orwell, no livro 1984, virou piada ou brincadeira. O Estado continua querendo controlar as pessoas, mas elas é que se oferecem, por livre e espontânea escolha ou ignorância, para serem vigiadas por grandes corporações.
Conto uma história. Na véspera de viajar para os Estados Unidos, o grupo Ponto de Partida pediu-me que eu fizesse uma letra para um espetáculo que eles fariam com uns meninos de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Tinham pressa e eu lhes prometi, tão logo me aliviasse do cansaço, trabalhar na melodia do Gilvan de Oliveira. Dito e feito. À noite, do hotel em Nova York, eu enviei um fax para o hotel de Araçuaí. Pus o papel na máquina, do outro lado do mundo. Enquanto a folha se enrolava lá, na hora ia de desenrolando aqui. Os meninos, dizem, ficaram boquiabertos, não com o escrito mas com a modernidade. Eis o que estava escrito:
“Acalento: Quando o sol se escondeu muito além do chão e a luz viajou carregando o azul o luar me chegou, me acarinhou, estrelou sobre o meu quarto de dormir sobre mim, meu sonhar vagalumiou e eu ouvi a canção de adormecer.”
E eles saíram cantando divinamente.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em outubro de 2011.