O que pode significar uma mostra de cinema? Na minha vida, a Mostra de Cinema de São Paulo significou quase tudo.
Estava em São Paulo, em outubro de 1978, acabara de fazer 21 anos e entrei no cineclube do Masp, que ficava no subsolo. O lugar estava lotado, as pessoas sentadas no chão. Entrei à tarde e só sai à noite – uma semana depois. Era a 2ª Mostra de Cinema de São Paulo.
Não sei quantos filmes tinha, mas eu assisti pelo menos a mais de um dezena de filmes de países tão inusitados quanto Checoslováquia, Romênia, Cuba, Polônia, Iugoslávia, Coréia, Holanda até filmes de países próximos como Argentina, Colômbia, Venezuela e um brasileiro que me impressionou muito. Era os Muckers. Este filme tinha uma narrativa e uma câmara que parecia que eu estava sendo transportada no tempo e como um voyeur observava acontecimentos de cem anos antes. Era um documentário, mas não poderia ser. Nunca tinha visto algo assim e acho que também não vi depois. Era Bodanzky.
De repente as janelas para o mundo se abriram. Naquela idade já tinha visto muitos filmes e desde os 14 anos me acostumara a ficar horas no cinema, mas a Mostra era um paraíso para um cinéfilo. Passei a ir todo ano e durante uma semana ficava lá em São Paulo: piolho de cinema prestava atenção neste novo mundo.
Na direção da Mostra, um cara sério de poucas palavras e vindo de uma família de armênios defendia, em plena ditadura, o direito de os filmes serem exibidos e o nosso direito de assisti-los. Leon Cakoff fez da sua Mostra de São Paulo a melhor mostra de filmes mundiais e autorais do Brasil e também uma das melhores do mundo. Ele é reconhecido e admirado por cineastas de todo planeta.
Minhas incursões à Mostra de São Paulo me fizeram fazer documentários, escrever uma dissertação de mestrado sobre cinema, montar junto com outros cinéfilos uma fundação (Documenta) e criar uma rede de cinemas em Belo Horizonte nos anos 90 (Cinemas Liberdade). Depois, nos anos 2000 , vendi a rede para ninguém menos que o Leon Cakoff (em sociedade com Ademar de Oliveira). Esperava que eles dessem um gás unindo as salas daqui ao circuito existente em São Paulo. Mas a praça aqui é dura, eles saíram e dessa rede só o Cine Belas Artes sobreviveu.
Mais uma vez inspirada na Mostra de SP criei, junto com Adyr Assumpção, a Mostra Imagem dos Povos – também dedicada ao cinema mundial e autoral. Pude nestes anos todos viajando pelo mundo e participando de festivais e realizando mostras entender o que significava Leon Cakoff e sua persistência em fazer a Mostra. Sempre o admirei e é a ele que hoje agradeço minhas muitas horas cinéfilas: obrigado, Leon. Valeu!
* Tâmara Braga Ribeiro é diretora da Mostra Internacional Imagem dos Povos