É tradição conceder aos novos governantes 100 dias de graça até que eles se ajeitem na cadeira e consigam mexer os seus próprios pauzinhos. Nesses 100 dias, espreita-se, prescruta-se, ensaia-se e costuma-se anistiar os novatos, mesmo quando não estão batendo um bolão.
A presidente Dilma ainda está longe de completar os seus primeiros 100 dias e muitas pessoas tendem a beatificá-la previamente pelo simples fato de ter substituído o toque diário da corneta auto-glorificadora de seu antecessor por um decoroso e salutar silêncio. Convenhamos: aquela rouquidão de palanque repetindo dia após dia a ladainha megalomaníaca de amor à própria voz já estava passando um pouco dos limites – inclusive passando dos limites da lei em vários episódios da campanha eleitoral.
Alguma alma sarcástica e impiedosa postou dias atrás em seu perfil no Twitter que “a maior obra de Dilma Rousseff, até agora, foi ter calado a boca de Lula”.
A piada é implacável, mas ainda assim uma piada.
Como nos explicaram exaustivamente durante a campanha eleitoral, esse não é um novo governo: é de fato o início do nono ano de uma mesma gestão, onde o titular se retira provisoriamente de cena, por contingências legais, e é substituído por um alter-ego que ele mesmo criou e a quem deu o sopro da vida.
Por essa razão, embora ainda não tenham passado os 100 dias de graça, já é possível esquadrinhar diferenças e semelhanças entre a gestão que se encerrou e a que se inicia.
Há claras diferenças de estilo entre criatura e criador, e por enquanto é o que mais se nota. Na essência, porém, haverá motivos para acreditar que essa diferença de estilo se reflita também na diferença de métodos, princípios e práticas de governo?
Na primeira reunião ministerial houve discurso sobre “ética”, o que de fato é bom para marcar uma posição. Mas seria melhor ainda se o discurso viesse acompanhado de atitudes práticas – o que não é bem o caso da festejada presença de Erenice Guerra na cerimônia de posse, nem da leniência com que foram tratadas as irregularidades dos novos ministros do Turismo e da Pesca.
A pronta visita às áreas flageladas pelos temporais do Rio mostrou agilidade no gesto e pouca funcionalidade nas medidas práticas de socorro e de prevenção. Revelou-se, inclusive, que jazia nas gavetas do governo, desde 2005, um plano de implantação de um sistema de alertas que jamais saiu do papel e que só vai ficar pronto em quatro anos – se alguém cuidar de implantá-lo.
O silêncio e a discrição da presidente, até agora, serviram para alimentar o bem construído mito de sua eficiência administrativa e de sua invulgar capacidade de trabalho e planejamento. Dilma não fala, faz. O oposto exato de seu antecessor.
É possível que em 100 dias possamos começar a comparar a lenda com a verdade. E esperamos que, ao contrário do jornalista de Liberty Valance, o homem que matou o facínora, possamos publicar a verdade.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 21/1/2011.