Cargos ou encargos?
Esse é o grande – e falso – dilema que define a verdadeira participação do PMDB no governo Dilma Roussef.
Para o senso comum, é evidente que o PMDB é um partido que desde os idos de 1980, quando deixou de ser MDB e terminou a sua tarefa civilizatória na transição da ditadura militar para a democracia, trocou o pouco que tinha de ideologia por uma consistente e voraz fisiologia.
O presidencialismo de coalizão que caracteriza a democracia brasileira desde o fim da ditadura tem uma característica irremovível: ganhe quem ganhar, só consegue governabilidade a partir da adesão de uma espécie de “centrão” desprovido de princípios ideológicos ou programáticos, mas cheio de apetite fisiológico.
Foi assim nos dois governos FHC, foi assim nos dois governos Lula e agora mais do que nunca está sendo assim no governo Dilma.
A enorme maioria da chamada base aliada no Parlamento, que em tese daria ao governo uma folgada margem de manobra para impor sua vontade, na verdade depende mais do que nunca da boa vontade, dos caprichos e dos apetites da bancada do PMDB, cada vez mais um partido de profissionais.
Sem a liderança macunaímica de Lula, que impunha sua vontade à federação de tendências e subtendências que forma a bancada do PT, cada uma delas se sente liberada para tentar fazer prevalecer seus pontos de vista.
A verdade é que o PT sob o difuso comando de Dilma é bem diferente do PT obediente e submisso à mão de ferro da vontade do líder.
Lula sempre foi maior do que seu partido e sem ele por perto, por mais que ele se esforce para manter a sua influência autoritariamente agregadora, o PT tende a dissolver a sua disciplina férrea em desgastantes embates internos.
Lula continua sendo Lula, mas por mais que tenha liderança moral e ascendência sobre o partido, não tem mais a caneta. E sem caneta, nem Lula é o mesmo Lula.
A crise da queda de Palocci foi bem uma amostra disso: apesar dos apelos do chefe moral, em nenhum momento o partido se uniu para dar sustentação a um dos seus.
O PT não foi capaz sequer de socorrê-lo com uma nota de apoio de suas bancadas no Congresso e deixou que a voragem da crise o engolisse.
Tudo isso faz com que o PMDB se fortaleça cada vez mais como a verdadeira base de sustentação do governo.
Numa entrevista ao Estadão esta semana, o líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves, não poderia ter sido mais claro. Ele disse que seu partido, tanto quanto a presidente Dilma, disputou e ganhou as eleições, e por isso deve participar da gestão do governo.
“Mais do que cargos,o PMDB quer encargos”, disse o líder. Apesar da retórica do jogo de palavras (é claro que o PDMB quer tanto os cargos quanto quer os encargos, porque os encargos trazem como conseqüência os cargos), o governo de Dilma Roussef caminha cada vez mais para ser um governo com aparência petista mas com a alma peemedebista.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/6/2011.