Mês de janeiro, ótima ocasião para um passeio às livrarias, principalmente aquelas que não se dedicam apenas aos sucessos comerciais, aos mais vendidos e procurados.
Encontro livros que me atraem, entre eles alguns de Carlos Drummond de Andrade. Ando há tempos procurando por algum exemplar perdido de suas obras completas, editadas na década de 60, pela Aguilar. O meu, que era uma espécie de missal, consultado tantas e tantas vezes, sumiu de meus domínios. Busquei saber da possibilidade de encontrá-lo em algum sebo, mas tem sido em vão, mesmo no sítio da estante virtual.
Acabei levando uma antologia, a biografia do poema “No meio do caminho” e o primeiro livro, Alguma Poesia, edição fac-similar do exemplar do poeta organizada por Eucanaã Ferraz.
Que viagem! Nos anos 20 do século passado, o tímido mineiro de Itabira ensaia escrever versos modernistas e publicá-los na imprensa da província. Durante cerca de seis anos, ele vai construindo sua obra prima e primeira, aconselhado e protegido por Mário de Andrade. Da metrópole paulista, em correspondência constante plena de incentivos, entusiasmo e reparos, o experiente autor da “Paulicéia Desvairada” oferece a mão sábia que todo iniciante espera e necessita.
O diálogo dos dois é um aprendizado fascinante para o leitor de hoje. Ainda mais quando esse leitor, esse pequeno cronista e letrista, descobriu o mundo da criação artística quase ao mesmo tempo em que se viu diante dos versos drummondianos. Fui levado a eles por orientação de professores e colegas de colégio, e a eles eu agradeço até hoje. A descoberta da poesia (e do cinema, da literatura em geral, teatro e música) foi para mim, como diria Manoel Bandeira, outro que estimulou o jovem Carlos, um alumbramento.
Lendo a história da construção do poeta e de seu primeiro livro, eu me lembro de meus primeiros arroubos poéticos. Lia em voz alta os poemas e os guardava de cor. Eu também um brasileiro e mineiro de óculos andava voando pelos canteiros das avenidas, debaixo das árvores e do céu de minha cidade, a mesma que o acolhera 40 anos antes.
Pensar que aquelas palavras escritas há tanto tempo iriam influir na vida desse outro jovem vindo do interior. E mais: que mesmo até hoje, aquela alguma muita poesia seria ainda incompreendida por muitos.
Depois desse livro, publicado há 80 anos, Carlos seria reconhecido
como poeta maior, indispensável. Sua obra é uma imensidão. Mas eu me enterneço diante desses seus primeiros passos, desse ponto de partida, desses versos que me acarinham até hoje. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra e que essa lua, esse conhaque, essa poesia me deixa comovido como o diabo.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.