ela vem voando, os véus brancos flutuam em câmara lenta. a foice! a foice! não me lembrava dessa foice imensa! mas… antes estava sem a foice!
e ela voa sobre os campos de cereais e vai baixando a foice e seus véus agora estremecem aflitos. e os cereais, trigo?, arroz?, sorgo?, milho? são dourados e brilhantes, os cereais refulgem contra o azul quase roxo! e ela os ceifa, então é mesmo a grande ceifeira! ela os ceifa em quantidade mas ao contrário de cair no chão, os grãos flutuam e se espalham e eu os vejo voar para mais longe e descer num maravilhoso campo de terra marrom, Tellus Mater, e eis que miraculosamente daqueles grãos brotam… pessoas!
uma espécie de alegria me inunda a alma, há uma música dentro de mim, mas ela começa a ficar insuportavelmente bela e essa tremenda comoção me acorda.
meu pai está de pé, acabou de ligar a última fita e a música que eu estava ouvindo no sonho já era Monteverdi.
você estava sonhando!
pai, ela ceifa mas os grãos ceifados são as novas fontes de vida!
meu pai apenas sorriu. e:
está na hora.
não vai ouvir Monteverdi até o fim?
eu o tenho todo na alma. quero sair antes do sol nascer.
isto faz diferença pra você?
não. é apenas um ritual. um ritual de estética.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.