A Espécie Humana. Capítulo 51

estamos chegando. passamos a ponte e eu dobro à esquerda. ao virar para entrar na nossa estradinha…

pai, pai! veja! está tudo aceso!

a surpresa me obriga a parar o carro. a chácara está toda iluminada. meu pai está abrindo o portão e, como há luzes por todo lado, eu só diviso o seu vulto, estranhamente meio gigantesco. saltamos.

o menino corre até ele e pula no seu colo. três abraços num só abraço. novamente. meu pai:

então, hoje, eu é que recebo meu filho e meu neto.

o que aconteceu por aqui?

então não vê? o mundo caminha e essas coisas acabam acontecendo; nada de banho esquentado a álcool. nada de música a pilha. vamos à cascata.

temos que tirar a bagagem! eu.

depois, pai, depois! o menino.

e descemos maravilhados. quatro fortes lâmpadas transformavam aquele espaço já mágico num ambiente de outro mundo.

o menino tira os sapatos e entra na água. meu pai faz o mesmo. e eu, lentamente, envergonhado por não ter tido essa idéia. meu pai:

a água leva a canseira embora!

está tudo lindo. como fez isso tudo?

outra hora a gente fala sobre isto.

olhei-o sério e ele entendeu. e disse:

não precisamos falar sobre isto.

subimos. a mesa está pronta e temos a sopa do primeiro dia, pedacinhos de mandioca. desta vez o menino quis jantar. enquanto comemos, meu pai:

tem mais uma surpresa. subiu as escadas e já começou a soar uma música.

o concerto pra flauta e harpa de Mozart! o som está alucinado!, pai.

é a vitrolinha?, vovô.

não. temos um som novo.

pô!, pai! agora só falta um fogão a gás.

não! esse pode esperar muito, ainda.

e jantamos. eu:

quando vocês chegaram aqui, pai, na hora da janta você parecia uma pintura de Goya.

a luz elétrica acaba com estes encantos, não é? mas deve trazer outros consigo.

será?

e, tendo terminado a janta, meu pai trouxe uma garrafa de licor.

é de banana! acabei de filtrar.

maravilhoso! quer provar?, filho. só provar.

é gostoso mas muito forte, pai.

é bom que seja, porque na sua idade não pode! e meu pai:

não é que não possa. não precisa.

Mozart silenciou. subimos para ver o som. e meu pai pediu-nos ajuda para colocá-lo lá fora. repetimos o licor de banana.

A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.

Para ler o capítulo anterior.

Para ler a partir do capítulo O.

Continua na semana que vem.

 

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