estamos chegando. passamos a ponte e eu dobro à esquerda. ao virar para entrar na nossa estradinha…
pai, pai! veja! está tudo aceso!
a surpresa me obriga a parar o carro. a chácara está toda iluminada. meu pai está abrindo o portão e, como há luzes por todo lado, eu só diviso o seu vulto, estranhamente meio gigantesco. saltamos.
o menino corre até ele e pula no seu colo. três abraços num só abraço. novamente. meu pai:
então, hoje, eu é que recebo meu filho e meu neto.
o que aconteceu por aqui?
então não vê? o mundo caminha e essas coisas acabam acontecendo; nada de banho esquentado a álcool. nada de música a pilha. vamos à cascata.
temos que tirar a bagagem! eu.
depois, pai, depois! o menino.
e descemos maravilhados. quatro fortes lâmpadas transformavam aquele espaço já mágico num ambiente de outro mundo.
o menino tira os sapatos e entra na água. meu pai faz o mesmo. e eu, lentamente, envergonhado por não ter tido essa idéia. meu pai:
a água leva a canseira embora!
está tudo lindo. como fez isso tudo?
outra hora a gente fala sobre isto.
olhei-o sério e ele entendeu. e disse:
não precisamos falar sobre isto.
subimos. a mesa está pronta e temos a sopa do primeiro dia, pedacinhos de mandioca. desta vez o menino quis jantar. enquanto comemos, meu pai:
tem mais uma surpresa. subiu as escadas e já começou a soar uma música.
o concerto pra flauta e harpa de Mozart! o som está alucinado!, pai.
é a vitrolinha?, vovô.
não. temos um som novo.
pô!, pai! agora só falta um fogão a gás.
não! esse pode esperar muito, ainda.
e jantamos. eu:
quando vocês chegaram aqui, pai, na hora da janta você parecia uma pintura de Goya.
a luz elétrica acaba com estes encantos, não é? mas deve trazer outros consigo.
será?
e, tendo terminado a janta, meu pai trouxe uma garrafa de licor.
é de banana! acabei de filtrar.
maravilhoso! quer provar?, filho. só provar.
é gostoso mas muito forte, pai.
é bom que seja, porque na sua idade não pode! e meu pai:
não é que não possa. não precisa.
Mozart silenciou. subimos para ver o som. e meu pai pediu-nos ajuda para colocá-lo lá fora. repetimos o licor de banana.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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