pai, olha o jornalzinho que o vô recebeu pelo correio.
que engraçado! é de alguma escola?
é. disse o menino. e o velho:
outro dia, quando eu voltava do banco, encontrei um senhor com um adolescente. ele me cumprimentou sorrindo e eu perguntei
você foi meu aluno?
sim. e me disse o nome.
lembra-se de mim?
claro. lembro do nome mas vocês alunos mudam muito. e esse rapazinho é seu filho?
é. veja, filho, este senhor foi meu professor de arte.
de arte! então o senhor podia responder ao meu questionário.
que questionário?, meu filho!
pro jornalzinho da escola. cada um da minha equipe recebeu um assunto e tem que fazer uma reportagem. o meu é a arte moderna.
não vamos incomodar?
claro que não! vamos tomar um suco de frutas e eu respondo.
então falei tudo no gravador do pequeno e hoje recebemos este jornalzinho.
então, deixa eu ler alto, pai. vamos lá:
o que é que o senhor pensa da arte moderna?
arte moderna? você conhece a história da roupa nova do rei? pois é. a arte moderna é esse rei. e o rei está nu. e ninguém tem coragem de dizer que o rei está nu. e o rei é feio. é barrigudo, tem as tetas caídas, saco pendurado, balofo, gordo, sem graça. olha a bunda dele!, olha a bunda dele!
escreveram bunda?, perguntou o menino.
sim. é a vantagem dessas escolas de hoje.
e acabou ai? de novo o menino.
não. aí eu levei a coisa a sério, falou meu pai. e leu ele mesmo.
a estética do masoquismo dos intelectuais:
vamos tentar ser claros e simples. é sabido que algumas obras de arte são fáceis de serem sentidas e entendidas e outras são um pouco mais difíceis. podemos exemplificar com música. uma canção popular é mais fácil de entender do que Chopin, que, por sua vez é mais atraente do que uma longa sinfonia. à medida que as pessoas se habituam, vão aceitando obras mais complexas. isto nos leva a uma constatação: algumas pessoas são capazes de entender e sentir obras de arte que a maioria das pessoas não entende. e isto é verdade. houve um momento no meio do século passado em que a vaidade começou a mascarar o gosto das pessoas ditas intelectuais. está difícil de entender? é mais ou menos assim: eu, que compreendo a arte, sou capaz de gostar disto, sou capaz de su-por-tar esta obra de arte, coisa que a maioria das pessoas não consegue fazer. e eis que num determinado momento a arte foi substituída pela farsa. nós nos enganamos, eu me enganei, quem acompanhava as manifestações da cultura mundial se enganou. os portões foram fechados. o que vai ser feito daqui pra frente? principalmente a música e as artes plásticas. onde está a saída? o dinheiro está envolvido nessa discussão.
num resumo, quer saber o que penso da arte moderna? atualmente, do jeito que está, é uma arte feita por adolescentes. entre com seu pai naquele museu da esquina, há uma exposição lá, imagine que os autores daquelas obras têm entre doze e dezesseis anos. vai ficar tudo adequado e lógico. um copo de Monteverdi, por favor!
perdão, senhor, disse o garçom.
é brincadeira. acho que vamos desligar este gravador. não seria interessante eu escrever tudo? coisas mais simples, mais fáceis!
assim está ótimo. muito obrigado.
e termina aqui. mas o final não foi assim. ele não falou assim está ótimo, muito obrigado. ele desligou o gravador e disse: assim está muito bom. ninguém lê mesmo estas reportagens; a turma só quer saber das fofocas de namorado e namorada.
A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.
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