A bermuda folgazã

O relacionamento dos casais na velhice não é coisa fácil. As mulheres implicam muito com os maridos. Vejam meu caso (fatos reais).

Sentamos para nossa happy hour e abro a conversa com assunto deveras interessante:

– Preciso de uma bermuda nova, a minha me aperta todo. Cintura, as partes. Mas não sei como fazer.

Ela:

– Vai na loja e compra.

Bem, pondero, vai ser difícil.

– Chego na loja e digo para a moça que quero uma bermuda folgazã. Ela não vai entender.

– Você diz folgada.

– Não é a mesma coisa, quero folgazã.

Na mesinha de centro está o tira-gosto. Berinjela em pedacinhos, sobra da festa de uma amiga. Examino.

– Quanto tempo de geladeira tem isto? Está com cara de podre.

– Podre? Como podre? Está ótima.

Experimento, não está mau.

– Vou comer, no mínimo resolve o meu problema de intestino preso.

Ela se irrita.

– De novo essa historia? Você tem sempre a mesma gracinha, essas coisas escatológicas. Podia parar com isso.

– Como, você está me censurando? – reajo, afetando indignação. – Vou te apresentar à Iriny Lopes, aquela ministra que censurou o comercial da Gisele. Vocês fariam um bom par.

Nisso, me lembro da Folha. Remexo os jornais sobre a mesa e pego a Ilustrada. Foto do Chico, com grande título:

AFASTE DE MIM ESSE CÁLE-SE. Abro o jornal e saio em passeata pela sala, levantando o improvisado cartaz de protesto.

Tenho platéia. A filha e a cunhada dividem o sofá. Platéia hostil ao protesto. Volto ao sofá, triunfante. Elas não dão a mínima. Minha filha foi ao comércio ver mobiliário para o novo apartamento. Conversa para duas horas. Gostou de algum supérfluo que não entendi bem e custa R$ 900.

Entro com um pequeno comentário.

– Pois é… uma vez e meia o que nossa empregada ganha para se matar de trabalhar durante um mês.

Uma simples frase causa uma revolução. Proponho mudar de assunto. Vocês viram que o Meirelles entrou no partido do Kassab com pinta de candidato à Prefeitura?

Nãããoooo. Política não.

– Então voltem às suas frivolidades, passem a noite inteira falando nelas.

Ameaço me retirar, mas vou ficando. Sempre pode surgir alguma deixa para eu enfiar minha colher provocadora. Somos dois homens (o neto de cinco anos e o vovô) contra três mulheres. Ainda, para piorar, às vezes me permito um trocadalho.

Apesar da greve, chegou meu livro pelo correio.

Minha cunhada e eu vamos abrir. Difícil. Está bem embrulhado em papel, fora o durex.

A cunhada:

– É embrulho com esse papel pardo, que é forte.

Eu, achando que vou agradar.

– Isso indica que o embrulho foi feito à noite.

– Por que?

– Porque à noite todos os embrulhos são pardos.

Resta contar meu grito de protesto, por levantar de uma cadeira e sair andando todo trôpego e dolorido.

– Meu corpo não está dando conta da vitalidade da minha alma!

Se alguém quiser minha companhia para tornar agradável alguma reunião em família, estou às ordens.

Outubro de 2011

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