Pergunto ao vendedor se seu estabelecimento tem farinha de trigo especial, sem fermento. Ele me conduz ao fundo da loja e me mostra alguns pacotes, de variadas marcas, e me diz: escolha. Aí eu me atrapalho. Qual é a melhor?
Tudo igual, rebate com convicção. Escolho dois sacos de “Dona Benta”.
As mulheres, ele continua, é que dizem que uma é melhor do que a outra. São todas iguais, prestam o mesmo serviço. É como o caso das cervejas, cada um diz que uma é melhor e que só bebe dela. Eu, por exemplo, gosto muito de uma Ferreira, mas quando quero uma cachacinha e não encontro a preferida, emborco a que me oferecem. A gente vai com o que tem.
Esse é um armazém dos antigos, que tem de tudo que estou procurando.
Mercadorias de todas as espécies, finas, e também as rústicas. O que há de melhor, não só lembrando velhos tempos e costumes, mas preservando as origens, são os produtos vendidos a granel. É uma festa para os olhos e o paladar. Lá eu compro o feijão fradinho que, em casa, vai virar um bolinho de feijão de arrepiar a alma. Em matéria de feijão, existe uma variedade de cores, que serão também sabores diversos em nossa mesa. E fubá, de moinho d’água, para um angu divino, ou de canjica, próprio para as saborosas broas de milho.
Ali no bairro da Floresta existe uma outra venda que me fascina. É uma casa que exibe o que se puder imaginar. É um amontoado de objetos dispostos de uma forma que só o dono controla. Num dia qualquer de semana, ou mesmo num domingo, se você precisar de algo que não sabe se ainda existe, vai lá que você verá que existe e você pode comprar. Utensílios que a maioria das pessoas nem sabe para o que servem, como trempe de ferro para fogão à lenha, estão à mostra. Pode ser um fio, um arame, uma vela especial, um lampião de lata, formas para empadinha, urinol ou algo que só quem foi criança há muito tempo têm ciência que já houve. Lá há.
Esse comércio resistente revela muito de nossa cultura. É ótimo ter à nossa disposição a infinidade de produtos que os supermercados põem diante de nossos sentidos ávidos de consumir. Não podemos mais viver sem eles. Mas, refutando o vendedor do armazém, que desconsidera as virtudes próprias de cada espécie fabricada, não há como comparar o resultado de um angu feito com fubá de moinho d’água com aquele feito com o que se compra nas prateleiras das mercearias modernas. E os feijões se distinguem nitidamente não só pela cor, mas principalmente pelo sabor. O preto é ótimo, mas como viver, para quem os conhece, sem saborear os outros tipos? Eu, que não sou autoridade nenhuma em aguardente, sou de bebidas mais leves, pelo que já provei, e pela lógica, tenho de reconhecer que há uma distância infinita de qualidade entre os destilados comerciais e aqueles feitos artesanalmente, com carinho, pelas mãos de mestres.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.