Rios de papel antes, para profetizar; rios de papel depois, para explicar. Os analistas queimaram as barbas que colocaram de molho, os institutos de pesquisa correram atrás do prejuízo e só faltou que um de seus donos escrevesse que, afinal, eleição é uma caixinha de surpresas, onde se pode ganhar, perder ou empatar.
O fato é que as profecias não se concretizaram. Os “especialistas” mergulharam em um mar de imponderabilidades, desde o aborto até os escândalos palacianos ou o excessivo desperdício de perdigotos do presidente no calor dos palanques durante a batalha eleitoral.
Aconteceu que a candidata da unanimidade nacional fechou as urnas com cerca de 37% dos votos dos que estavam aptos a votar e que, afinal de contas, o Brasil não é o que professores universitários engajados, intelectuais deslumbrados pelo servilismo e pela bajulação e jornalistas pagos ou gratuitos em busca da santidade da “isenção” passaram fantasiando durante os últimos anos.
As “margens de erro” dos institutos de pesquisa viraram motivo de chacota, e os mais esquentados saíram a colocar em dúvida a existência real daquela multidão de 80% de brasileiros que aprovam o presidente Lula.
Na verdade, o choque anafilático do segundo turno colocou um pouco as coisas nos seus devidos lugares. Não há motivos para duvidar que a popularidade do presidente esteja mesmo próxima do número mágico. O resultado da eleição não lhe roubou a popularidade, que ele tem mesmo. Só lhe pediu de volta a auréola de santidade e de infalibilidade que ele mesmo tinha colocado sobre a sua cabeça, com a ajuda dos áulicos que sempre cercam os poderosos, produzindo o nocivo efeito que a subserviência incondicional e pegajosa produz nas personalidades facilmente influenciáveis.
Em palavras claras: desde a rejeição popular à hagiológica obra cinematográfica que glorifica mussolinianamente a sua trajetória de vida até o grito das urnas de 3 de outubro, o povo demonstrou que é mais sábio do que os intelectuais de tapete que pretendem explicar como funciona sua cabeça. O presidente, sim , é querido e seu governo é aprovado pela maioria, porque durante a sua gestão a vida de milhões de pessoas melhorou (não importa aqui discutir de qual processo essa melhora é resultado).
Mas alto lá: sua glória termina aí. Ele é um bom presidente, segundo o povo. Os seus 80% de popularidade representam uma fria e objetiva aprovação, principalmente, dos resultados concretos de uma gestão econômica continuísta, que manteve intocados os parâmetros ortodoxos da economia de mercado e de uma política assistencialista que estendeu uma rede de proteção social até milhões de desassistidos que antes não eram alcançados por ela.
O breque das urnas sinalizou que aprovação não é canonização, que popularidade não é licença para ir além dos limites, e que a última e definitiva palavra, numa democracia, não é a dos governantes, mas a dos governados.
Enfim, o eleitor mostrou que aprecia seu presidente, mas que tem maturidade suficiente para querer conduzir a sua própria vida sem precisar da tutela de um pai ou uma mãe que guiem seus passos.
Lula não perdeu a eleição. Mas não ganhou a divindade.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat
Sandro,
muito bom ler, saber e sentir que, governados, temos voz. Dá um alento.
Abraço da
Vininha.