Se no final de 2007 a derrota da CPMF no Senado – indício claro de que não conseguiria aprovar o desejado terceiro mandato – levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a desenhar uma das mais ousadas estratégias eleitorais para permanecer no poder, a soberba lhe turvou os capítulos finais. E coloca em risco o epílogo e a glória.
Lula apostou tudo e muito mais. Escolheu uma candidata que era a encarnação da improbabilidade. Desconhecida, com jogo de cintura zero, tida como autoritária e antipática até mesmo por seus pares. Sem qualquer pudor, Lula passou por cima de tudo e todos. Desrespeitou as leis, o cargo que ocupa e o país, em nome de fazer a sua sucessora. Quase aniquilou o seu partido em algumas regiões.
Mas o script parecia não ter qualquer falha.
Da mesma cartola de que sacou Dilma Rousseff, o presidente retirou as alianças e as regras que aplicou nas eleições estaduais, imolando o PT quando conveniente, como fez em Minas ou no Maranhão. Foi taxativo na defesa da eleição plebiscitária, do nós x eles, do Fla x Flu.
Imaginava que a divisão do país se daria na proporção de sua imensa popularidade. Venceria de balaiada.
Embora tenha chegado pertíssimo, surpreendeu-se ao final do primeiro turno. Descobriu que muitos daqueles que lhe ensurdeciam com palmas, fogos de artifícios e pontos nas pesquisas – nem sempre assim tão confiáveis -, desaprovavam a continuidade a qualquer preço.
Lula tem tudo para ganhar a eleição. Sua candidata venceu o primeiro turno e lidera. Não tem conforto ou folga, mas mantém-se à frente sem ameaça direta do adversário. Ainda assim, todos em sua seara agem como se a derrota lhes tivesse subido à cabeça. Chegam a distribuir culpas, ora para o marqueteiro João Santana, ora para o aliado PMDB, para o próprio PT, para a candidata Dilma e até para o presidente.
Nada parece suficiente para lhes devolver o ânimo. Em suas aparições, Lula está cada vez mais rancoroso. E continua insistindo no que talvez tenha sido um dos seus maiores erros – a divisão do país. Esse mundo imaginário de elites que agem para derrubá-lo, para impedir a vitória de Dilma e o seu êxito.
Sua candidata é beneficiária do bolsa-família e da ascensão real de milhões de brasileiros. Mas esse público passa anos-luz de distância do discurso da luta de classes, da rixa entre pobres e ricos que o presidente tanto quer reinventar. Roupa velha e usada, que não repercute nem mesmo entre aqueles que o seu próprio governo auxiliou a evoluir.
Pesquisa realizada pela Plano CDE, empresa especializada na base da pirâmide social, mostra que por autodefinição ninguém no Brasil se considera pobre ou rico. Quem está na classe A não se considera rico e sim mediano. O mesmo comportamento se repete nas famílias de classe E. Ninguem se diz pobre, são todos classe média. Prova-se assim que a realidade corre longe do antagonismo classista.
Mas Lula insiste. Usa vocabulário cada vez mais chulo, apela para comportamentos ainda mais esdrúxulos, para menções religiosas; bota Deus no meio, atribuindo a Ele a derrota de oposicionistas, faz sinais da cruz.
Parece não ter aprendido que o eleitor não é como público de auditório movido a plaquetas de aplausos.
Lula pode e tem grandes chances de vencer. Mas, seja qual for o resultado, pagará o preço de encarnar o escorpião, que se camufla, agride sua própria espécie e pratica o canibalismo quando lhe falta alimento. E inocula-se com seu próprio veneno.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 17/10/2010.