Madrugada, casa dormindo, quase silêncio – apenas a suavidade da voz de Joan Baez evocando os anos sessenta –, hora de escrever a crônica semanal.
Tarefa difícil, cada dia mais. Não por falta de temas, que vivem soltos por aí, rodando, rondando. Tentando.
É que – freqüentemente – as palavras fogem. Não todas. Aquelas que a gente quer. Exatamente aquelas.
Hoje, gostaria que elas não fugissem. Que me ajudassem a, emocionada, abraçar e lembrar alguns amigos.
Eles chegaram há poucos dias, pelo correio, contidos e incontidos na obra de um escritor mineiro que publicou um único livro de contos, Um míope no Zoo e outros contos (1968, Imprensa Oficial, Belo Horizonte).
Pois foi a nova edição dessa relíquia que recebi, enviada pela filha do autor, Madu Brandão. Relíquia cuidadosamente editada pela Editora UFMG, dirigida pelo professor Wander Melo Miranda.
Emocionada com o gesto da filha, antes ainda de abrir o livro, senti saudade do pai.
Ao ver/ler seu nome – Ildeu Brandão –, me lembrei de como foi enriquecedor conviver com aquele homem nascido apenas três anos após meu pai, 1913.
Nascido em Ouro Fino, quase divisa com São Paulo, mudou-se, ainda criança, para Belo Horizonte, de onde não mais saiu.
Aí, jornalista e funcionário público, foi redator no Palácio do Governo do Estado e, depois, diretor do Suplemento Literário do Minas Gerais, cargo hoje ocupado pelo escritor Jaime Prado Gouvêa.
Coube ao Jaime organizar a nova edição de Um míope no Zoo, agora com duas partes.
A primeira, que reproduz a capa original – sinal palpável do cuidado com que a nova edição foi pensada e realizada – traz, com fidelidade, na mesma ordem, todos os contos publicados em 1968.
Reler cada um, tanto tempo depois, é um convite ao espanto e à emoção.
Espanto pela exatidão da linguagem, como se o tempo não tivesse passado.
Emoção pela singeleza da narrativa, como se o mundo não tivesse mudado.
Minha geração, em Belo Horizonte, leu os contos de Ildeu Brandão como se lê um mestre. Não apenas em 68. Pena que seja um livro só, dizíamos.
Pena que Ildeu, mais mestre que nunca, seja pouco conhecido, penso hoje, agora, enquanto contemplo seu livro sobre minha mesa.
Queria que minhas palavras, freqüentemente fugidias, ficassem por perto, rodando, rondando. E me ajudassem na tarefa facílima de dizer que um escritor imperdível é imperdível.
Se o livro dele conta com uma segunda parte, melhor ainda. Se a segunda parte é composta por textos esparsos, publicados aqui e ali – jornais, revistas – e somente agora reunidos pelo Jaime, melhor, muito melhor.
Se, além de tudo, ainda há , antecedendo os contos e enriquecendo a edição, um comentário preciso e precioso do escritor Rui Mourão sobre a obra do colega, então não há dúvida de que estamos, realmente, diante de uma relíquia.
As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial).