Por um país sem remendos

Seja qual for o resultado das urnas, chegamos ao dia decisivo das eleições 2010 com amargor na boca. Como uma avalanche, este segundo turno saiu do controle de todos: candidatos, marqueteiros, pesquiseiros. Chegou a produzir um efeito inédito: nunca antes neste país o número de indecisos aumentou tanto na última semana antes do pleito.

E isso não aconteceu por acaso.

Embates, diferenças, disputas são sempre cativantes, mobilizadoras. Sem elas, qualquer eleição vira um porre. Mas esta última etapa ultrapassou todos os limites. Foi agressiva, completamente despolitizada, baixa. Debate algum teve profundidade maior do que a de um pires, mesmo quando os temas eram relevantes e essenciais para a vida das pessoas, para a economia do país.

Jogou-se fora uma grande chance, quiçá irrecuperável.

O Brasil é useiro e vezeiro em desperdiçar oportunidades. Faz isso sistemática e insistentemente, tamanha a distância entre o que quer quem está no poder e o povo, seja ele rico, pobre ou de qualquer fatia social intermediária. Os brasileiros que, direta ou indiretamente, mas sempre regiamente, recolhem impostos para financiar o poder.

Isso vale para todos os poderes, sem exceção. Fosse o parlamento cioso de suas responsabilidades, leis como a da Ficha Limpa não acabariam sub judice. Mas a maioria das suas excelências do Legislativo funciona só em nome de seus áulicos interesses, além, é claro, de nada se importar em serem, vez sim, outra também, paus mandados do Executivo.

Por sua vez, o Executivo, que sob a batuta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se coloca acima de todos e de tudo mais, há muito abandonou a tarefa de administrar o país para se transformar no comitê central da campanha Dilma Rousseff.

E Lula, que faz gato e sapato das leis, é uma pedra a mais para o Judiciário, já atormentado pela lassidão do Legislativo.

Pela omissão dos demais poderes, a nossa Justiça, pobre coitada, tem de dar respostas a tudo que o país não consegue resolver, e ainda é açoitada por aqueles que ignoram, ou fingem ignorar, que a ela cabe tão somente o zelo à Constituição e ao direito do cidadão. Mas querem que ela conserte todos os remendos mal alinhavados.

Se o dócil Legislativo é falho (e isso ocorre com freqüência além do razoável), Lula, aquele que tem a caneta e o poder de sanção das leis, falha ainda mais. A lei do Ficha Limpa é apenas um exemplo: a assessoria jurídica do Planalto sabia, desde sempre, que a questão pararia no Supremo. Jogou pra lá, tirando o ônus do colo de Lula, que não podia contrariar o público, defensor absoluto de punir a eleição de bandidos.

E o mesmo Lula, macho dos palanques de campanha, não teve colhões para desempatar o STF. Por conveniência, continua adiando a nomeação do 11º ministro para a Suprema Corte. Com isso, despeja sobre ela contas e contas de impopularidade.

Os candidatos e seus torcedores se perderam no jogo pelo jogo, na intolerância, no xiitísmo religioso, lançando para longe a chance de discutir com seriedade aquilo que o país de verdade quer e necessita. Agora, o eleito terá de se desnudar, ou, pelo menos, de vestir um traje menos remendado. Terá de abandonar de vez as coisas mal costuradas que, se escondem os buracos, nem de longe conseguem evitar o esgarçar do tecido.

Afinal, governar não é crer. É  respeitar, garantir e fortalecer as instituições, fazer e responder às demandas de quem vive, trabalha e sustenta o país.

Bom voto a todos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 31/10/2010.

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