Os preconceitos de Boris e os outros preconceitos

Companheiros e companheiras, às armas: está decretada a luta de classes. Ou melhor: a volta da luta de classes. Nunca vi tantas almas boas em semelhante transe de apaixonado delírio pelos garis, essa notável e humilde classe trabalhadora, que um membro da elite desalmada e corrupta e da imprensa golpista ultrajou e ofendeu.

Deixaram vazar o áudio de um comentário privado de Boris Casoy sobre uma cena de um telejornal da Band, no final do ano, com uma saudação de ano novo de dois garis, que o apresentador achou de gosto duvidoso, e isso se tornou um ruidoso caso político. Claro: um direitista escabroso (como costumam ser os direitistas) tripudiando sobre a classe trabalhadora é assunto para mil concertos de violino. O fato de que Boris parecia mesmo era estar criticando a edição da reportagem produzida por seu próprio jornal, e não as pessoas dos garis, passou a ser questão secundária.

“Vergonha”, “ódio de classe”, “arrogância”, “prepotência” – gritaram indignados os politicamente corretos, em crise de aguda histeria.

Meu bom Ricardo Kotscho, o jornalista isento, do alto de sua imparcialidade congênita, disse que não foi apenas uma frase infeliz, e “quem o conhece, sabe que Boris disse exatamente o que pensa”.

Vida que segue. O sangue da indignação escorre das veias abertas dos blogueiros e dos comentadores de blogs. Nunca se viu tanto amor aos garis e tanto ódio a esses jornalistas venais, reacionários, direitistas, vendidos. Alguns chegam a murmurar, sottovoce, a palavra proibida – judeu! – para estigmatizar ainda mais o jornalista. Diante da impossibilidade de derrubar de novo a Bastilha e libertar de novo os oprimidos, tarefa que os franceses já se encarregaram de executar há séculos,  os apedrejadores da honra alheia não deixaram Boris sobre Boris. Foram buscar até supostos antecedentes políticos de quatro décadas atrás para calcinar o chão que ele pisou – e que ele ainda pisa. Como se sabe, a remissão dos pecados está interditada para certas espécies de almas.

Tudo muito bem, tudo muito justo – é a liberdade de expressão em pleno uso, os leitores manifestando sua indignação contra o preconceito; por acaso existe coisa mais politicamente incorreta que o preconceito ?

Quando você vai ler as entrelinhas, encontra lá o sotaque hipócrita de sempre: os mesmos que querem a imprensa sob ‘controle social’, os mesmos cafetões da “justiça social”, da “igualdade”, os mesmos agentes de todas as bondades – os batedores de bumbo de sempre.

Aí você, que também odeia todos os preconceitos – contra os pobres, contra os garis, contra as minorias – pensa um pouco e pergunta: e onde estava toda essa indignação quando, em outra gravação vazada por acidente, Lula  disse que Pelotas era um pólo exportador de viados?

Ah, mas isso era apenas uma centelha do notável senso de humor que um presidente da República nunca antes teve neste País.

O de Boris Casoy é um preconceito odioso porque ele, além de judeu, é de direita. O de Lula é apenas finíssima ironia, a manifestação de um elevado espírito jocoso, porque além de ser de origem pobre e nordestino, ele é de esquerda – ainda que de uma espécie falsa como uma nota de 3 reais. Aí pode. De direita é injúria. De esquerda é piada.

Pra terminar, só uma pergunta para o Ricardo Kotscho: para quem o conhece bem, a frase de Lula sobre Pelotas foi apenas uma frase infeliz ou ele disse exatamente o que pensa? Ou foi apenas uma piada do chefe, da qual sempre é conveniente rir?

PS: antes que alguma peregrina alma torturada venha a dizer que estou aqui defendendo o preconceito, deixo um aviso: sou contra todos os preconceitos, inclusive, e principalmente, o da indignação hipócrita e seletiva da correção política caolha – aquela que enxerga um lado só.

 Este artigo foi publicado originalmente no Observatório da Imprensa em 7/1/2010

Um comentário para “Os preconceitos de Boris e os outros preconceitos”

  1. Sandro,

    é muito bom ler o que se gostaria de escrever. Ou melhor , de ter escrito.

    Abraço antigo

    Vininha.

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