Daqui a 10 meses, mais de 130 milhões de brasileiros irão às urnas para eleger o 36º presidente da República e, até o dia 3 de outubro, será elaborado e consumido todo tipo de teses e prognósticos sobre as variáveis do quadro sucessório, como se eleição obedecesse a alguma lógica.
E não faltam elementos para elucubrações, a maior parte deles hoje favorável ao presidente Lula. Sem descer um só dia do palanque desde 1989, ele usa e abusa de seu impressionante carisma e popularidade em prol de sua candidata Dilma Rousseff.
A ministra, que em tudo depende de seu patrono, pois jamais disputou uma eleição – nem mesmo para síndica, dizem as más línguas – é perfeita para o papel.
Conta em favor de Lula um PT servil e um PSDB que prefere insistir em digladiar entre seus pares, ora em disputas fratricidas, ora em questiúnculas, como a data ideal para lançar o seu agora único candidato.
Até a sua ex-ministra de Meio Ambiente Marina Silva tem contribuído. Fez muito barulho ao trocar o PT pelo PV, mas pouco se mexeu de lá pra cá.
E o incendiário Ciro Gomes, usualmente adversário dele próprio, hoje não passa de um coringa à disposição do presidente.
Fechando o cerco, o PMDB, com fartura de minutos no horário eleitoral gratuito de rádio e tevê, coloca as unhas para fora e arranha.
Fala até em candidato próprio, mas prefere dar tempo ao tempo, engraçando-se, como sempre, aos dois lados, para se aliar, pela conveniência, a quem lhe garanta a permanência no poder.
E até o DEM que jura fidelidade aos tucanos, de quando em vez cria caso, aumentando o tom de voz para ampliar espaços.
Tudo caminha para a polarização – o nós x eles -, no passo e compasso pretendido por Lula, dando a falsa impressão que é possível imprimir uma lógica quase cartesiana às eleições.
Aturdido e temente de fazer oposição a um presidente tão popular, o PSDB navega sem qualquer bússola.
O governador José Serra, há anos primeiríssimo colocado nas pesquisas de opinião, carrega a sina de travar lutas internas duríssimas a cada candidatura.
Há quatro anos foi atropelado pelo ex-governador Geraldo Alckmin, que lhe surrupiou a vez.
E agora teve de se expor ao rival Aécio Neves que, ao que tudo indica, fez que desistiu do jogo para se manter no campo.
Serra, que terá de trocar o quase certo pelo muito duvidoso, tem de lidar ainda com um PSDB que pouco ajuda e muito atrapalha.
A alma tucana é tão atormentada que boa parte das teorias de que o governador paulista vai preferir disputar a reeleição a correr o risco de ser derrotado por uma candidata inventada por Lula é, para deleite do presidente, cultivada no próprio ninho tucano.
Errático, Serra ora aduba esse tipo de intriga, mostrando-se sempre arredio a uma boa briga e engrossando o coro dos que querem lhe colar o selo da covardia, ora insiste no discurso do administrador dedicado que não vai acelerar o fim de seu mandato atual em nome de uma eleição futura.
Em outras, age como o dono da bola e da vez, magnânimo. Em nenhuma das opções, se dá ao luxo de contar àqueles que lhe conferem a liderança nas pesquisas o que pretende para o país.
Enquanto isso, Lula navega em cruzeiro, sem qualquer turbulência. Sedento, mas impossibilitado de ter um terceiro mandato direto, há tempos não pensa em outra coisa a não ser na campanha de sua Dilma.
Vitoriosa ou derrotada, ninguém melhor do que a dama fiel e leal para os planos futuros do presidente. Se perder a culpa será da ministra – dura, antipática, inexperiente.
No máximo, mais um caso nas estatísticas sobre a dificuldade de se transferir popularidade e prestígio.
Se ganhar, todos os méritos serão dele, que continuará dando as cartas, assegurando o emprego de seus asseclas e um retorno mais tranquilo quatro anos depois.
A estratégia pode até ser brilhante, mas o voto não obedece a scripts.
Embora os marqueteiros de sempre insistam em afirmar o contrário, felizmente, até hoje, ninguém conseguiu decifrar a cabeça, o coração e a alma do eleitor, combinação desprovida de qualquer lógica, da qual só esse mesmo eleitor é senhor absoluto.
Este artigo foi escrito para o Blog do Noblat