Os homens da fronteira

Viajar é mais, eu vejo mais, já disse em parceria com Toninho Horta. Mas quando não se trata de um jipe antigo rodando pelos caminhos de Minas e sim de um percurso em que se atravessa a linha divisória de países, a experiência nem sempre é tranqüila.

Eu estava em Portugal e resolvi dar uma passeada antes de voltar para casa. Já tinha me instalado em plena comunidade européia, meu passaporte atestava. Mesmo assim, o olhar do sujeito que examinava meu documento por trás do balcão trazia um jeito desconfiado e preocupante. Não houve demora, mas nesses casos um minuto dura pelo menos dez.

Trago memória clara da obrigatoriedade de me documentar, aqui mesmo no Brasil, em tempos ditatoriais. A autoridade da esquina era um perigo para todo cidadão que respirasse e andasse por nossas ruas Ai de quem não tivesse uma carteira para se identificar. Era um clima de terror que se espalhava e atingia a alma de cada um e que não se dissolveu, de imediato, com os ventos da liberdade e da democracia. Aquele incômodo permanece e insiste em não nos abandonar. Mas sem paranóia, pois a vida tem de ser vivida com alegria. O tempo ajuda, nos ajudou, a nos livrar desse desconforto e seguimos em frente.

Na hora de regressar, no aeroporto de Lisboa, tendo diante de si um cidadão brasileiro pacífico e com fisionomia de quem é incapaz de ferir quem quer que seja, outro policial examina com minúcias o passaporte, dá uma conferida na tela do computador, tecla alguma coisa, observa, enseba. Vira-se para o lado, pega uma folha de papel e a traz para perto de seus olhos. Com os dedos vai percorrendo o que está escrito, é o que imagino, pois de onde estou não avisto o que realmente ocorre.

O que será que ele viu em mim? Um possível terrorista, um contrabandista, um narcotraficante? Sou apenas um mineiro grisalho de volta à sua casa e à sua terra. Só quero cruzar logo aquela linha que me separa da sala de embarque e do avião que, em poucas horas, me deixará pisar o chão que tanto me faz bem.

Depois de alguns minutos, não tensos, pois não tinha motivo para me preocupar, mas aborrecidos e irritantes, o policial me devolve o que é meu. Eu passo por ele e sigo pensando no absurdo que são as fronteiras, todas elas, físicas ou imaginadas, que separam a humanidade, por território, crenças, nacionalidades, sexos, cores e idades.

Fronteira que vale é só a do território da infância, quando víamos aqueles cavaleiros nas telas dos cinemas, dando tiros e correndo atrás de bandidos pelos campos e montanhas, até que se chegasse a um rio que, atravessado, significava a liberdade para os perseguidos. Mas essa só vale por que era de brincadeira.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas  

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