Caríssima, não raro maçante, mas considerada por 11 entre 10 analistas como essencial para a decisão do eleitor, a propaganda eleitoral de rádio e TV, que começa na terça-feira e se estende por 45 dias, repetirá a fórmula ultrapassada e mal-engendrada que, há anos, alimenta vícios danosos ao país. Estimula coligações sem pé nem cabeça, institucionaliza legendas de aluguel e pasteuriza a política. Tudo a um custo altíssimo, nada compatível com um país que, ao contrário do que o governo do presidente Lula quer fazer crer, ainda está bem longe de alcançar o nirvana.
Nada sai de graça. Além dos milhões que os principais candidatos pagam aos marqueteiros e suas produtoras, as emissoras, mesmo sendo concessões públicas, têm benefício fiscal por veicular o horário dito gratuito. De acordo com o site Contas Abertas, neste ano elas devem deixar de recolher mais de R$ 850 milhões aos cofres públicos. De 2002 até hoje as isenções ultrapassam a casa dos R$ 3 bilhões.
Mas isso é pouco perto do estrago que o horário gratuito provoca ao debate político, à qualidade da representação e, consequentemente, ao fortalecimento das instituições democráticas.
Os candidatos ao parlamento – sejam federais ou estaduais – são apresentados quase sempre no modelito que ficou conhecido como Lei Falcão, adotado pelo regime militar: foto, partido, número. Algumas estrelas de legendas com maior minutagem têm a chance de uma palavrinha, algo entre 12 e 25 segundos. O mais comum, no entanto, ainda é a foto ou uma microgravação acrescida de uma palavra de ordem do tipo “pela educação”, “por mais saúde”. E um letreiro com o nome do candidato majoritário, o que em alguns casos mais complica do que esclarece as coisas para o eleitor, vista a barafunda das coligações partidárias.
Os nove partidos que formam a coligação de apoio a Dilma Rousseff, conferindo-lhe 10m38s duas vezes ao dia e mais 229 inserções de 30s ao longo dos 45 dias de propaganda, pouco ou quase nada têm a ver entre si. Pragmático e decidido a fazer política de resultados, o presidente Lula apostou alto em aliados, mesmo nos mais incômodos. Impôs um alto custo para o PT, que teve de abrir mão da disputa em diversos Estados, mas multiplicou palanques e minutos.
O PSDB de José Serra também não fez diferente. Embora o DEM seja um parceiro tradicional, foi a ameaça de perder tempo na TV e no rádio que determinou a escolha do vice. Para garantir seus 7m18s reuniu seis siglas e alguns desconfortos, a exemplo do deputado Roberto Jefferson (PTB), ex-aliado de Lula, cassado junto com José Dirceu (PT) no escândalo do mensalão.
Sem coligação alguma, a verde Marina Silva terá parcos 1m23s. Espantosamente, já gastou mais de R$ 3 milhões na produção de sua propaganda, embora tente demonstrar que não acredita em marqueteiros.
Tendo ou não fé neles, o formato do horário eleitoral que o país insiste em manter ao marqueteiro pertence.
José Serra até esboçou alguma reação a esse fato ao defender a cara lavada, a apresentação do candidato, e só ele, diante da câmera. Mas é sabido que nada disso será feito. Seria inovador, divertido, se não fosse completamente improvável. Nem mesmo Plínio Arruda Sampaio, que tanto agradou com sua irresponsável irreverência no debate da Band, usará assim os seus 1m01s.
Fora os cinco candidatos de si próprios com o tempo de 55s, todos vão usar e abusar dos marqueteiros e, cada um a seu modo, contribuir para empobrecer o já tão pobre debate político.
Nas regras marqueteiras, não importa como o candidato é, mas como o eleitor quer que ele seja. Sendo assim, o revolucionário e barbudo Lula vira Lulinha Paz e Amor, a durona Dilma converte-se na doce mãe de todos.
Enquanto os políticos não se coçarem para mudar as regras desse show, o eleitor continuará condenado a essa ficção.
15 de agosto de 2010.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat.
Tão cedo, ninguém vai conseguir acabar com esse absurdo, pois convém aos “mesmos”. Político teria que ir à praça pública como antes. Por a cara para bater.Deveria ser proibido anúncio de político em qualquer mídia. O sistema é apenas sórdido.