Carlos Drummond de Andrade disse que não sabia que sua história era mais bonita que a de Robinson Crusoé. É comum poetas poetarem sobre sua infância, eles que sonham a vida inteira como se meninos fossem. A fantasia é o território deles, mas pode ser também de todos nós. Fui buscar minha neta na escolinha e ela me chegou cheia de sorrisos e abraços e com um livro entre os braços. Eram os desenhos que ela fizera sobre o balé que dançara, a história da dona Baratinha, a que tinha fita no cabelo e dinheiro na caixinha. Viajei naquela magia de cores e alegria que só as crianças têm.
Voei em seu mundo e me senti feliz. Minha madrinha também tem um livro para mostrar. São duas lembranças de menina em Pitangui, cidade mineira do centro-oeste, a sétima vila do ouro de Minas. Ela fala de lembranças de sua cidade e eu escrevi algumas palavras para compor a sua obra.
“Tia Amália, como se estivesse ao pé do fogão em uma noite interiorana longínqua, abre o coração e busca na memória os acontecimentos de sua vida de menina e moça. Era a Pitangui dos jogos de rua, das festas inocentes, do footing, dos mendigos que vinham até as casas nos dias de sábado para receber comida e esmola. Tempo de Maria Fumaça, tempo de uma existência que ela, generosa, resolve preservar e nos contar. Tempo de uma menina e moça feliz.”
Aí eu passeio pelas histórias de Portinari, o menino de Brodósqui. Estudante em Paris, em 1929, depois de visitar museus e conviver com a intelectualidade, conclui que o que queria mesmo era pintar a sua cidade natal, “ pintar aquela gente com aquela roupa e aquela cor. Tenho saudades de Brodósqui – pequenininha, 200 casas brancas de um andar, no alto de um morro espiando para todos os lugares”.
No livro “ O menino de Brodósqui”, Cândido Portinari relembra suas travessuras e brincadeiras de criança. Para o dia: bola de gude, pião, arco, avião, papagaio,diabolô, bilboquê, ioiô, botão, balão, malha e futebol. Para a noite: pique, barra-manteiga e carniça. E o padre, recém chegado à cidadezinha, introduziu um outro jogo que, como esses, também trouxe felicidade à minha meninice: o bente-altas.
Acompanham essas lembranças, reproduções de pinturas e desenhos deslumbrantes, imagens maravilhosas de um Brasil criativo e humano: Meninos na Gangorra (“sabe por que eu pinto tanto menina e menino em gangorra e balanço? Para botá-los no ar, feito anjos”); Natividade; Meninos Soltando Papagaios; O Sonho; Banda de Música; Fuga para o Egito; Menina de Tranças; Banda de Brodósqui; Festa de São João; Futebol; Circo; Os Despejados; Brodósqui ( “ onde está aquele eu que ficou no povoado?”); Futebol II; Café; Menino com Estilingue; Menino com Carneiro; Menino com Diabolô. E vários retratos de sua neta, Denise. O homem, o pintor, o poeta. O Brasil, a infância, o operário criador da arte.
Portinari é para amar e emocionar.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em novembro de 2010