Dona Mariquinha
era uma donzela.
Sempre arrumadinha,
sempre na janela.
De roupa engomada
e trança penteada,
tão triste e sozinha
ninguém vem a ela.
Tinha uma cadela
dona Mariquinha.
Acendia a vela
quando era noitinha.
A cachorra amada,
com a casa fechada,
vigiava a donzela,
vigiava a casinha.
……………………..
Auauau auauau.
……………………..
Auauau auauau.
Dona Mariquinha
ouviu a cadela
indo na cozinha.
Mas que noite, aquela!
Levantou-se amuada
e viu, assustada,
que uma sombra vinha
bem junto à janela.
Deu uma piscadela
pra que a cachorrinha
tivesse cautela,
e ficou quietinha.
Veio uma pancada
na porta trancada
e uma voz que gela
chama a coitadinha.
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
Dona Mariquinha
beijou a cadela.
Pôs leite e farinha
na sua gamela.
Não mais assustada,
mas bem descansada,
pois a cachorrinha
defendera a ela.
E apagada a vela,
chegada a noitinha,
deitou-se a donzela
e ficou quietinha.
De novo a pancada
e a voz que brada.
Dona Mariquinha,
mas que voz, aquela!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
Limpando a cozinha,
lavando panela,
sonhava sozinha
a pobre donzela.
Ficava sismada,
tremia por nada.
E, assanhadinha,
ficou tagarela.
Sobre os sonhos dela,
quem é que adivinha?
Com flor na lapela,
um príncipe vinha,
de roupa enfeitada,
coroa e espada,
em carruagem bela,
de sua mãe, rainha.
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
O tempo ia e vinha
passando, e ela,
fritando galinha,
limpando a chinela,
toda apaixonada
espera a chamada.
Mas a cachorrinha
não poupa sua goela.
O sangue congela
de ira daninha.
Pegou a cadela,
quebrou-lhe a espinha.
Deixou-a jogada
e ficou trancada.
Mas que voz, aquela,
que do quintal vinha?
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
Aquela vozinha
era da cadela
que, mesmo mortinha,
defendia a ela.
Inda mais irada,
toda transtornada,
Dona Mariquinha
queimou a cadela.
Foi junto à pinguela
atrás da casinha,
jogou a cadela
dentro da covinha.
Depois de enterrada
a cachorra odiada,
apagou a vela
e esperou sozinha.
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
Foi da cachorrinha,
que amava a donzela,
aquela vozinha.
De onde vinha ela?
Ao pó misturada
ficara espalhada
da cadelazinha
pelagem singela.
Raivosa, a donzela
correu à cozinha,
encheu a tigela
com água limpinha.
Limpou apressada
a casa empoeirada.
E, assim, da cadela,
nenhum pelo tinha.
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– …………………………
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– …………………………
Como a cachorrinha
não latiu por ela,
Dona Mariquinha,
de olhar de gazela,
chegou deslumbrada
à porta fechada
e, bem dengozinha,
girou a tramela.
(Epílogo)
Não era príncipe
nem moço loiro.
Mas um bichão.
Peito peludo,
saco pendente,
Pinto comprido.
E a Mariquinha,
apavoradinha,
deitou-se na cama,
à espera da morte.
Abriu a perninha
e ficou quietinha.
Qual foi sua sorte?
O bicho comeu
Dona Mariquinha!
Comeu inteirinha!
Depois, se encolheu
Junto à mulherzinha
E adormeceu!
Curitiba, abril 1981