Gaveta vazia

– Carta pra mim?

– Não, hoje não teve nada pra ninguém, por causa da greve.

– De novo?

– Pois é. Estou até pensando em arranjar emprego no correio.

– Pra fazer greve, Raimundo?

– Não!

– Não?

– Greve de correio é muito triste.

– Triste?

– A mais triste que existe.

– Não estou entendendo, Raimundo.

– No primeiro dia, nem tanto. O pessoal do prédio passa por aqui, pergunta, comenta, até brinca. Mas depois, no segundo, no terceiro dia, ninguém mais fala nada, passa e vai embora. Nem olha.

– E você?

– Eu também fico calado. Nem abro a gaveta.

– Continuo não entendendo.

– Se eu fosse carteiro, nunca iria deixar portaria nenhuma sem cartas. Não tem nada mais triste.

– A greve ou a portaria sem cartas, Raimundo?

– Se não existisse uma, não existiria a outra.

– O jeito, então, é ser carteiro?

– É. Não é?

– E onde é que a gente vai arranjar um zelador assim, como você, preocupado com a tristeza da gaveta vazia?

Ele me olha, desconsolado. Olhar de mais de vinte anos de convívio. De quem sabe que, nesta cidade imensa, a maior do país, já não existem zeladores de sua espécie. Nem no Nordeste longínquo, de onde veio.

Muito menos em Garanhuns, de onde, quando os carteiros colaboram, ele costuma receber algumas cartas. Raras, rasas, ralas. Mirradas, raquíticas. Nordestinas.

16/6/1991.

As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.

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