Felizes são os peixes

Café tomado, dentes escovados, roupas e bolsa em relativa ordem, percorro com calma, do meu jeito, os 11 ou 12 quarteirões que me separam de um dos meus mais antigos amigos paulistanos.

Desde que cheguei – e fiquei – por aqui, há sei lá quantos anos, ele me socorre quando aquela dorzinha, tímida no princípio, insuportável depois, não me deixa mastigar sei lá quantas vezes, como se deve fazer, segundo a turma do bom senso.

O elevador me deixa no quarto andar e, enquanto espero minha vez, descubro que os peixinhos do aquário, dez na semana passada, estão reduzidos a seis.

— Dor de dente não deve ter sido – penso.

Na capa de uma revista semanal, a foto da capa me tira a vontade de ler seja o que for. Melhor fechar os olhos, relaxar. Pensar nos peixinhos que restaram.

A voz da secretária me transporta da placidez do aquário à inquietude da cadeira povoada por luzes e motores.

— Felizes são os peixes – penso.

Meu amigo me surpreende:

— Sabe que resolvi não mais votar?

— Assim, de repente?

— Assim, depois de velho.

E continua:

— Nunca mais, viu? Nem pra presidente, nem pra vice, nem pra síndico de prédio, nem pra diretor de clube, nada. Nada, nunca mais, entende?

Entendo. Ainda que, impedida pela exposição às luzes e aos motores, não tenha condições de falar, entendo.

Entendo, cada dia mais, que vivemos tempos de descrença, desencanto, desesperança. Pena.

28/3/93

As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.

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