Exu menino

Guardo até hoje as anotações que fazia, diariamente, em uma agenda, dos gastos que fiz quando construí minha casa. Foi quase um ano de compras que nunca acabavam. Cimento, areia, brita, tijolo, esse o meu vocabulário básico no início de 1980. Freguês de depósitos de construção, nunca preenchi tanto cheque em minha vida. Fora o dinheiro vivo que era necessário arranjar nos fins de semana.

Depois que se levantam as paredes e se comemora a primeira laje, a obra segue lentamente, parece não andar. Era um martírio ver que a conta bancária se derretia e o projeto de casa não apresentava quase nenhuma novidade.

Quando, enfim, passada a fase de quebrar e refazer paredes, esse processo maluco em que a fiação e os encanamentos são embutidos na estrutura, chega o momento dos acabamentos. Haja desespero. Não há tartaruga que seja tão vagarosa.

O fato é que a soma total das despesas é um número enorme de um dinheiro cujo valor não consigo calcular. Era um tempo de muitos zeros e pouca valia.

Essa experiência de acompanhar passo a passo a edificação da morada própria fez com que eu fizesse a promessa de nunca mais repetir a façanha. Construir casa, para quem não é engenheiro nem arquiteto, só uma vez. Muito mais fácil e prático é adquirir um imóvel pronto.

Promessa feita, me instalei no lar, fui aprendendo a ocupá-lo, conhecendo suas peculiaridades. Mas ao longo dos anos, depois que eu me acostumei com o ambiente e me sinto parte integrante do conjunto, outra constatação eu fiz, e essa vale para todos, quem constrói ou quem compra residência pronta.

Existem fases em que tudo caminha direito. Até que alguma coisa desanda. É a torneira que começa a pingar, lâmpadas que queimam, eletrodomésticos que não obedecem aos comandos, uma goteira. Basta que uma dessas coisas aconteça e, mesmo que você trate do problema imediatamente, uma série de outros eventos pipocam todos os dias. E não bastam aquelas revisões feitas periodicamente nas instalações, na pintura, no telhado.

Dizem que é um exu menino, que anda por aí criando molecagens. Ele vai e volta. Quando menos se espera, ele desencadeia uma multidão de estragos. Uma descarga falha. Mandamos consertar. A televisão perde a imagem. Chama-se o técnico que, antes de repará-la, disserta sobre a má qualidade dos televisores atuais. Uma fila de defeitos se instala no seu lugar de morar, consumindo sua paciência. A geladeira não gela, o fogão não acende e a água da chuva invade os quartos. E está tudo novo, olhado, revisado. A solução certamente não é tocar um tango argentino. É esperar que o traquinas se canse de você e vá bagunçar em outra freguesia.

 Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas

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