No ancoradouro da Enseada dos Pescadores há uma criançada que, geralmente à tarde, atira as linhas para pegar seus peixes. Desde que retornei à Praia do Camaburu, faz alguns dias, tenho observado a turma. Já na primeira sacada notei um garoto, de uns 15 anos, que nunca perdeu linhada. Pelo menos as que o vi atirar. E tão impressionado fiquei com a habilidade do infante que tratei de puxar papo.
– Muito peixe aí? – apontei.
– Dá – ele respondeu, com impressionante poder de síntese, característica do pessoal ao longo do litoral do Pará.
– Pegou o que hoje? – insisto.
– Taí – apontou para um cesto cheio.
Confesso que sempre tive veleidades de ser pescador. Talvez, em outros tempos, até possa ter sido. E agora, em retiro nesta remota região, novamente animado, resolvi usar um equipamento que ganhei no último Natal. Assim, na casa do modesto pescador que me hospeda peguei a tralha e comecei a montá-la. Na tarefa fui surpreendido pelo bom homem, que perguntou:
– O que é isto?
– Bom – mostrei – com este maravilhoso equipamento tenho esperanças de também garantir alguns almoços e jantares para nós.
– E o senhor pesca? – a esposa do rapaz se aproximou.
– Bom – cocei a ponta do nariz – tento. Quem sabe possa até provar que sou bom nisso.
Na verdade tive vontade de me apresentar como um verdadeiro capitão Ahab, aquele que queria matar a Moby Dick; porém concluí que esse poderia ser um perigoso caminho.
Assim, no dia seguinte, tão discretamente quanto possível, peguei o meu fabuloso equipamento sueco e fui para perto do rapazinho de 15 anos que não perdia uma com sua despojada linha enrolada numa enferrujada lata de leite condensado. Fiquei de lado e, no que ele atira seu anzol, zip, atirei o meu, que silvou com sotaque estrangeiro no desenrolar da carretilha. Bom, mas aí é que está. Pois o guri, em coisa de 20, 30 segundos no máximo, tirou da água uma pescada e tanto. Isso enquanto eu, cinco minutos depois, não sentindo fisgada nenhuma, recolhi a linha. Surpresa: nem o mais longínquo ou remoto sinal da isca.
– Ué – apontei para o anzol e perguntei ao meu vizinho – o que foi que houve?
– O peixe comeu – ele se limitou a soprar.
– Mas eu nem senti…
– É – foi o único comentário que fez com seu já conhecido poder de síntese.
Certo de que o bom pescador não desanima ao primeiro ou segundo revés, caprichei na nova iscada. Enquanto isso o menino trazia para a terra sua terceira corvina, desta vez uma baita, com uns três quilos.
– Você pega isso sempre?
– Pego.
– É só atirar?
– É.
Com um interlocutor tão loquaz, o melhor era não perder tempo. Atirei minha linha pela segunda vez. No que o chumbo bateu na água, o fedelho puxou o seu, exibindo uma nova pescada. Com a tensão, agora, a caminho do crescimento, apertei meu sofisticado caniço com algo maior do que sofreguidão e ânsia. Mal sinto um sinal que me pareceu indicar o momento certo, puxo. Junto com a puxada, lá vem o anzol angustiantemente vazio.
Daí raciocinei, rápido. Peguei uma nota de dez reais e mostrei pro garoto.
– Quer ganhar isto?
Ele arregalou os olhos, em dúvida. Fui em frente:
– Te dou. Você usa a minha linha e eu uso a sua, certo?
Ele nem respondeu, esticou a mão e fizemos a troca. Enquanto eu tentava manipular a lata de leite Moça o sujeitinho já retirava do mar, com meu caniço, um robalo verdadeiramente magnífico. Atirei então a linha dele, que julgava mágica, e esperei. Minutos depois, recolho. Nada.
– Pombas – virei pro carinha – por que você pega e eu não? Será que esses malditos peixes te conhecem?
– Não – veio a resposta, exígua como sempre.
– Então o que há? – abri os braços.
– Bom – levantou – acontece apenas que o senhor não sabe pescar.
Daí pegou sua lata, rodou no calcanhar e se mandou levando meus dez paus. Como me deixou dois peixes, não sei se fez isso por gentileza ou comiseração. O que sei é que ali mesmo, tranqüilamente, fisguei uma das pescadas que ganhei no meu anzol, e me fui. Chegando à casa do pescador que me hospeda, mostrei a ele:
– Veja o que peguei.
– Com esta linha?
– Com esta linha. Que agora é sua.
– O senhor está me dando? Deve ter custado muito caro.
– De fato custou, porém é sua. Afinal, você é o verdadeiro capitão Ahab.
– Capitão quem?
– Ah, um capitão que sabia pescar…
Esta crônica foi originalmente publicada no Correio Popular