A quebra do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB, inclusive da filha do candidato presidencial da oposição, provocou um frisson nacional naquela franja minúscula da opinião pública onde as chamadas garantias constitucionais e as instituições democráticas têm algum significado.
Acreditar que esse incidente vá provocar mudanças significativas nas intenções de votos explicitadas até agora nas pesquisas eleitorais não passa de um “wishful thinking” tipicamente oposicionista, pelo menos da parcela da oposição que acredita poder substituir a sua omissão histórica pelo efeito-atalho dos escândalos que o PT costuma gentilmente lhe oferecer de bandeja.
Como já assinalaram os comentaristas políticos de ofício, os que ganham a vida com isso, o efeito eleitoral da quebra de sigilo não vai abalar a candidata do governo, mesmo porque não haverá chuva nem trovão que consiga tirar do povo a “mãe” a quem o “pai” resolveu entregar o País.
A democracia é uma construção conceitual difícil, cheia de sutilezas, e é muito tentador vendê-la pelo facilitário do simples resultado da expressão das urnas: quem tem mais votos ganha e quem ganha pode fazer o que bem entender. Explicar que não é bem assim, que há instituições e um arcabouço jurídico a respeitar, passa a ser considerado choro de perdedor. Essa é a versão Fla x Flu da democracia, mais próxima da arquibancada e, por isso mesmo, do gosto popular.
Em alguns casos fica mesmo difícil explicar que o sigilo fiscal ou bancário das pessoas não é apenas um truque sujo para esconder ganhos ilícitos. No twitter, recebi mensagens até de um prefeito petista de uma cidade do interior gaúcho declarando-se contra o sigilo fiscal, porque isso é coisa de “quem tem algo a esconder”. A defesa aberta de um ilícito, a transgressão de um princípio constitucional, passa, nessa linha de argumentação, a ser apenas uma banalidade a mais na conta corrente de uma disputa eleitoral onde o que importa é impor a vontade da maioria, nem que seja ao arrepio da lei. Afinal, o que é um princípio constitucional diante da perspectiva de prolongar a permanência de seu partido no poder? Uma tênue extravagância de maníacos legalistas.
Passa também por banal a presença do presidente da República num programa eleitoral de sua candidata, num pleno dia 7 de setembro, com aparato de presidente e não de militante de um partido, a acusar a vítima e chamar a oposição de “turma do contra” e de “inimigos das conquistas do povo brasileiro”. Ao minimizar a prática do crime de violação e demonizar e desautorizar a representação política legítima de uma parcela da população que não concorda com o seu governo, o presidente nada mais fez que açular as hordas da militância mais extremada de seu partido para um confronto que tem muito pouco a ver com a salutar divergência democrática de idéias.
A oposição acertou ao denunciar o crime de violação como grave transgressão, o que de fato é, mas errou ao tentar agarrar-se a ele como tábua de salvação para substituir a inoperância institucional, social e parlamentar que marcou os últimos anos de sua atuação política. E o governo errou ao tentar transferir a culpa para a vítima e fingir que a violação de direitos institucionais das pessoas é apenas um lance banal e corriqueiro do jogo eleitoral.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat