Comércio internacional de armas

Journal intime d’un marchand de canons, que poderia ser traduzido como Diário íntimo de um vendedor de canhões é uma ficção de Philippe Vasset. O autor é jornalista. E já no Prefácio, adverte: “…por trás dessas histórias, se agita uma realidade globalizada, sobre a qual nada se sabe, ou quase nada. Apesar de ser ficção, todos os episódios aconteceram, os nomes e as datas são verídicos.” O autor também anuncia a intenção de publicar outros dois livros com os títulos (vou traduzir): Diário íntimo de um provocador de fomes e Diário íntimo de um manipulador.

Ao descrever uma série de ações para proteger segredos, o narrador cria um clima de romance de espionagem; exemplos: como catalogar nomes e endereços de clientes através de códigos, como destruir senhas de celulares comprados em países estrangeiros, como queimar papéis velhos sem chamar a atenção de vizinhos, papéis que contêm cadastros com dados de generais, almirantes, políticos, que servem de intermediários entre o vendedor e os responsáveis  pelas compras (geralmente, também políticos e militares), papéis que contêm textos sobre as armas dos concorrentes… Isto porque os vendedores de armas (alguns, oficiais, outros, contrabantistas) correm riscos diante da espionagem industrial, da polícia dos serviços de inteligência de diversos países e dos jornalistas.

Como clientes, é um vale-tudo inescrupuloso, sem bandeira, sem religião, e, principalmente, sem ideologia: a Etiópia quando comunista, a Sérvia em guerra, o mundo islâmico, Saddan Hussein, Hugo Chavez… E haja corrupção: Os militares que dão o parecer sobre as compras recebem suas quotas como “presentes”. Às vezes, o próprio governo do país vendedor faz as doações, oficialmente. Ao longo do livro, percebe-se que o vendedor de armas não passa de um camelô. São os ministérios de defesa dos países vendedores que operam e resolvem tudo.

Vejamos dois casos citados com minúcia:

O episódio do Conselheiro X. 

Saddan invadiu o Iran e pressionou a França sobre a entrega de Mirages F1, que já tinha adquirido. A França tentou adiar a entrega mas, sob pressão, liberou o primeiro lote em janeiro de 198l. O final só seria entregue 4 anos depois. Em agosto de 1982 Saddan exigiu a entrega do restante mas o ministro da defesa francês alugou ao Iraque 5 caças Étendard da marinha nacional, através de uma manobra comercial. Pilotos de caça franceses se tornariam conselheiros civis dos militares iraquianos, para instruir os aviadores.

Um desses conselheiros é chamado de X, para proteção da identidade do militar francês. Os “alunos” iraquianos estavam com dificuldade de aprender o manejo de mísseis. O conselheiro vestiu uniforme iraquiano e fez disparos de demonstração para as autoridades militares. Tanto X quanto o narrador foram sequestrados e presos no Iraque. O narrador, enquanto vendedor, para garantir o sucesso das armas. E, durante três semanas, X, um cidadão francês, vestido de soldado iraquiano, fez parte da tropa de ataque, atirando mísseis contra o Iran.

 

Submarinos para Hugo Chavez.

Por um embargo americano, a Venezuela não pode comprar armas dos Estados Unidos nem de países que usam peças americanas em suas armas. A Espanha estava negociando para equipar a marinha de guerra venezuelana mas em seus artefatos havia peças americanas. O caminho para a venda, assim, ficou livre para a França. Quando os Estados Unidos descobriram as negociações francesas, ameaçaram suspender a entrega de catapultas americanas para o segundo porta-aviões francês. Os vendedores franceses começam a presentear os militares venezuelanos, enquanto vão transcorrendo as negociações, observadas de perto pela instituição DCN (Direction des Construcions Navales – hoje DCNS). Num determinado momento, todo o processo é paralisado. Motivo: Se a França vendesse a Hugo Chavez todo o material pretendido, provocaria um desequilíbrio de forças na região. O responsável oficial francês apresenta os dados relativos a submarinos; Brasil: 4, do tipo Tupy; Peru: 6, U209; Argentina: 3, U209; Chile: 2 Scorpène e 2 U209 modificados. O poderio venezuelano, num possível confronto aberto com os Estados Unidos, poderia envolver a França por causa da proximidade com território francês na Guiana Francesa.

As negociações foram, pois, suspensas.

Poderíamos concluir desse fato que os países vendedores têm, dentro de suas regras de vale-tudo, uma outra regra maior, segundo a qual, são eles que determinam até onde um certo país pode se armar? Sabe-se que os 5 países que mais vendem armas no mundo (China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia- coloquei em ordem alfabética) são exatamente os 5 países que formam o Conselho de Segurança da Onu. Segurança de Quem? Não sei que lugar ocupa Israel nessa lista de vendedores.

Em diversas partes do livro o autor faz menção ao filme O Senhor das Armas, de Andrew Niccol, por sentir-se semelhante ao protagonista, no aventuresco e na amoralidade. Tanto o livro quanto o filme padecem de um defeito congênito. Ambos são ficção baseada em dados reais. Não se pode deduzir que determinado fato seja verdadeiro, próximo do real ou apenas fantasia. Exemplo: no livro, o narrador revela que: “…Os vitrais da catedral de Doha (capital do Qatar), símbolo da tolerância religiosa do emirato, foram integralmente financiados pelos fabricantes de armas franceses.” Até que ponto isto seria verdade? Teríamos então a imagem da fatalidade total: Deus e o Diabo de mãos dadas, trabalhando juntos para infernizar a vida dos habitantes do planeta.

Quem tiver curiosidade para saber até onde vai a patologia, a delinquência e o poder de um vendedor de armas, consulte a Wikipedia, verbete Bazil Zaharoff: http://pt.wikipedia.org/wiki/Basil_Zaharoff.

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