Cheiro azedo

Dezenas de mentiras repetidas como verdade, porções desmedidas de agressão ao adversário, intimidação, coerção e patrulhamento permanente, críticas à liberdade de imprensa. Misture os ingredientes, adicione alianças com ex-arquiinimigos, desrespeito às leis e pressão permanente, sem qualquer chance de respiro. A receita, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e repetida a rodo nesta disputa eleitoral, até pode parecer saborosa para aqueles que querem a manutenção do poder a qualquer custo. Mas é amarga como fel para o país.

Só fez sucesso até então para manter regimes com paladar totalitário. E, se ainda continua em voga em ditaduras como Coréia do Norte e Cuba, freqüenta os cardápios apenas dos arremedos delas, tipo Venezuela ou Bolívia.

Certamente não foi para provar esse prato intragável que a maioria absoluta dos eleitores brasileiros decidiu levar a disputa presidencial para o segundo turno. Queriam mais. Queriam testar temperos e conhecer modos de fazer que lhes dessem confiança e crédito em quem faz.

Mas tiveram de engolir a dieta pobre e despolitizada que só interessava à candidata oficial. Pior: o adversário até pareceu que iria vitaminar o embate, mas acabou engordando temas como aborto e religiosidade, que, se são importantíssimos para as pessoas, passam longe de ditar quem poderá ser melhor ou pior para dirigir o país e enfrentar seu imenso conteúdo de problemas.

Estamos entrando na reta final da campanha depois de três semanas indigestas. A última, então, lembrou os restos podres de comida que os mineiros do interior chamavam de lavagem, ração caseira para se dar aos porcos.

Em pouco mais de 24 horas viu-se tudo que não deveria acontecer: o candidato José Serra agredido nas ruas por uma tropa de choque do PT; o presidente da República e sua pupila Dilma Rousseff acusando o adversário de ter montado uma farsa; militantes do PT fazendo chacota da agressão; Dilma sendo alvo de uma bexiga cheia de água em uma carreata em Curitiba.

No dia seguinte, o Jornal Nacional desmontou as acusações levianas de Lula e de sua candidata, que, engasgados com a pimenta que eles próprios adicionaram, emudeceram. Mais uma vez, como fazem sempre que lhes convém, agiram como se prato algum tivesse sido servido. E insistiram em transferir a conta para o adversário, tratado como um inimigo que deve ser imolado e servido aos convivas como prêmio.

A mesquinhez do debate é tamanha que, fora a beatice e uma agressividade sem precedentes, nem mesmo se mudou o menu básico apresentado há quatro anos.

Do lado de Lula, ou melhor, da candidata, insiste-se no falso embate privatização x estatização, que teria contribuído para derrota de Geraldo Alckmin em 2006. Ou na comparação Lula x Fernando Henrique Cardoso, como se tivesse havido alguma herança maldita ou rendição do país ao capital internacional, que tentam fazer crer. Descaradamente, rega-se a mentira com os condimentos que lhes parecem mais apropriados ao momento.

Embora não se traduza em boa fama para os seus gourmets, a história prova que essa receita de Lula é quase infalível. E o cozido é mal cheiroso e azedo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24;10/2010.

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