Cantando para as montanhas de Minas

Quando o carro ou avião não nos chamam, eu e Tavinho Moura ficamos em nossos cantos, curtindo família, flores e quintais. Não nos movemos por vontade própria. Se não nos chamarem, permanecemos onde estamos.

Quando o telefone toca e nos convocam, eu pego meu livro e minha estante, o Tavinho empunha seu violão, e lá vamos nós pela estrada a fora. Nos últimos dez dias nos tiraram da toca. Enquanto cento e sessenta corais percorriam toda Minas Gerais, entoando as vozes brasileiras e latinas pelo chão dos mineiros, nós também fizemos o nosso roteiro. No percurso, ouvimos o canto geral, a voz coletiva, que o maestro Lindomar reúne todos os anos num festival que, partindo da Capital, espalha melodia, harmonia, beleza e solidariedade  por todo o interior. A cada ano são mais vozes e mais cidades. Um acontecimento de arrepiar os pelos e molhar os olhos.

Na sexta-feira, pegamos um carro no rumo de Catas Altas para cantar nossas coisas. Por precaução escolhemos a viagem mais longa, que passa por Ouro Preto, fugindo do perigo que é a rodovia da morte, a BR-381. Fico pensando que os últimos presidentes e ministros dos transportes deveriam ser processados, condenados e presos, responsáveis que são pelas vítimas quase diárias do massacre rodoviário que ali ocorre.

O importante para nós era chegar e bem. O caminho mais extenso nos fez ver uma paisagem deslumbrante. Quando chegamos à cidade, busquei na memória o que tinha lido sobre o lugar. Seu nome vem das minas de ouro, descobertas no início do século XVIII, chamadas de catas altas porque o ouro era encontrado a dez ou doze palmos acima do rio. Na praça principal fica a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, que começou a ser construída em 1712. As obras foram abandonadas em 1780, coincidindo com o esgotamento das minas. O arraial ficou esquecido e a igreja inacabada. Seu interior é magnífico e rico, o que deslumbrou Lúcio Costa, quando a visitou.

“Em 1927 passei cerca de um mês no Caraça. No último dia do ano, com o jumento resvalando nas pedras soltas da serra, desci até Catas Altas do Mato Dentro para visitar a rica matriz. Estava deserta. Apenas uma velhinha sentada num dos últimos bancos. Em meio ao esplendor de talhas, dos dourados, das imagens, das pinturas, ela sentia-se visivelmente em casa. Estava ali à vontade, como se tudo aquilo tivesse sido concebido para o seu uso e gozo exclusivo, como se tudo lhe pertencesse.”

Diante da igreja, Tavinho e eu nos deparamos com a Serra de Catas Altas, uma exuberante, majestosa parede de pedra.

No começo da noite, de costas para a matriz, de frente para a montanha e tendo sobre nossas cabeças uma lua cheia, entoamos nossas canções para o povo daquela terra mineira.

 Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas

Um comentário para “Cantando para as montanhas de Minas”

  1. Fernando,
    Sou um admirador de sua obra há muito tempo. Desde que ofereci um “churrasco” a seus pais e seus tios em Caxambu no distante anos 70. Há época trabalhava na Caixa Estadual e seu irmão me informou da estada deles lá, e o Paulo Maia(então Juiz de Baependi) sugeriu que passassem conosco alguns momentos.Conversei muito com seu pai, Dr. Moacir(chamado de santo e sábio por seus pares) Hoje por razões que aqui não cabem comentar o Roberto não é mais um amigo.Seu pai na conversa referia-se a voce como “o letrista”. Acompanhei sua obra desde então e o considero a expressão máxima dos compositores de nossa Minas Gerais. Gostaria de conversar e conviver com voce nestes ultimos anos de minha vida(estou com 63), uma vez que tenho grande amor pela música e pela poesia. Convivi no passado com Roberto Medeiros(trovador de Juiz de Fora) e o verdadeiro autor da letra do samba consagrado por Clara Nunes -“Tristeza e pé no Chão”, cuja autoria só é atribuída a “Mamão”, que compos a música.Caso se interesse conto-lhe como isso se deu e ainda lhe envio trovas e poesias inéditas do Roberto, lindas.Convivi ainda nos fins da década de 60(68/69), com Chico Buarque, sendo eu um iniciante no jornalismo e frequentador do “Bar sem nome”, na rua Maria Antônia em São Paulo, e, o Chico um estudante de arquitetura cuja Faculdade ficava defronte do citado bar. Ali ouvi em primeira mão – “Lua Cheia”(tão pouco gravada e divulgada), “Retrato em Banco e Preto” e outras. Por coincidência Chico hoje é vizinho de meu filho no Leblon.
    Enfim, se depois de uma certa época de nossas vidas já não temos disposição de fazer novos amigos nem buscar novas afinidades, mas se voce quiser, gostaria de conviver, nem que seja através de emails, com voce. Simplesmente por gostar da mesma coisa que é sua paixão e também a minha – “a palavra”.
    José Luciano Pereira
    Rua Colômbia 109/302, Sion CEP 30320 010.
    31 3221-8231 / 31 9747-7314

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